Ponto de vista

O esporte como aliado na ação climática

Setor influente e global, o esporte deve enfrentar seu impacto ambiental e se tornar um catalisador da solidariedade climática

Por Fernanda de Castro e Fernando Trevisan

Assim como muitos outros setores, a indústria do esporte é uma grande impulsionadora das mudanças climáticas e, ao mesmo tempo, vítima de seus efeitos. As emissões provenientes do deslocamento de atletas e torcedores, da construção de estádios, da fabricação de equipamentos e do alto consumo de energia tornam o esporte um contribuinte significativo para a crise climática. Apenas a edição de 2022 da Copa do Mundo, no Catar, reuniu 3,4 milhões de espectadores ao longo de 64 partidas em oito estádios – sete dos quais foram construídos do zero –, o que resultou na emissão de 3,6 milhões de toneladas de CO2.

Por outro lado, os efeitos do aquecimento global também atingem o mundo do esporte. Enchentes, ondas de calor e a redução da neve têm levado ao adiamento e ao cancelamento de competições ao redor do mundo. Os atletas, por sua vez, enfrentam desde a queda de desempenho até riscos à saúde, expostos a temperaturas extremas, baixa qualidade do ar devido a incêndios florestais e poluição da água em esportes aquáticos.

Ao mesmo tempo, o esporte possui um apelo que atravessa fronteiras, culturas e divisões sociais. Além de estar associado a valores positivos, como saúde e lazer, ele desperta forte senso de pertencimento e conexão emocional. Para muitos torcedores, seguir um time, um atleta ou uma modalidade esportiva é parte essencial de sua identidade e rotina. Segundo uma pesquisa da Nielsen Sports (2018), 76% da população adulta mundial tem interesse em esportes. Esse enorme alcance confere ao setor um poder único de mobilização, tornando-o um aliado estratégico na luta contra a crise climática.

Para enfrentar esse desafio, organizações esportivas podem agir em três frentes principais. Primeiro, mitigar seus impactos ambientais, identificando as maiores fontes de emissão e implementando soluções para reduzi-las. Em paralelo, adaptar-se à nova realidade climática, investindo em infraestrutura resiliente e protegendo a saúde e a segurança de atletas e torcedores. Por fim, usar seu poder de comunicação para engajar e inspirar mudanças de comportamento em fãs, comunidades, fornecedores, patrocinadores e formuladores de políticas públicas.

Em 2025, o Brasil terá uma oportunidade única de liderar o movimento global do esporte na ação climática. Com a realização da Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP30) em Belém, em novembro, o país será o centro das discussões internacionais sobre o tema, reunindo representantes de diversos setores – inclusive o esportivo – para debater e definir estratégias de enfrentamento à crise climática. Esse cenário coloca o Brasil em posição privilegiada para impulsionar iniciativas no setor, consolidando o esporte como uma força na busca por práticas mais responsáveis, redução de emissões e infraestrutura adaptada aos desafios climáticos.

 

Redução dos impactos negativos

A realização de um evento esportivo, por definição, envolve a reunião de um grande público em instalações de grande porte. Isso demanda a construção de espaços adequados, gera deslocamentos em massa, exige alto consumo de energia e resulta em uma produção significativa de resíduos. Sem um planejamento adequado, esses fatores podem levar a uma pegada de carbono expressiva. No entanto, ao adotar ferramentas como inventários de emissões, estratégias de eficiência energética e incentivos ao transporte sustentável, o setor pode reduzir seus impactos ambientais sem comprometer a qualidade e a experiência dos eventos.

Algumas entidades já reconheceram essa necessidade e, assim, estabeleceram metas e implementaram ações para mitigar seu impacto climático. Paris 2024, por exemplo, reduziu a pegada de carbono dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos em 54,6% em comparação com as médias de Londres 2012 e Rio 2016. Esse resultado foi alcançado graças a uma série de medidas estratégicas, como a reutilização de instalações já existentes – evitando a construção de novas arenas, uma das principais fontes de emissões de carbono –, o uso de energia 100% renovável e o incentivo ao transporte público para torcedores e delegações. O sucesso de Paris 2024 demonstra que grandes eventos esportivos podem se tornar referências globais em responsabilidade climática, unindo celebração e compromisso ambiental.

Já a União das Federações Europeias de Futebol (Uefa) desenvolveu uma calculadora de pegada de carbono para auxiliar os clubes a mensurarem suas emissões em diversas frentes, incluindo deslocamentos, produção de materiais, operação de instalações esportivas e logística. Como resultado, a Eurocopa 2024 destinou quase 30 milhões de euros a iniciativas sustentáveis e conseguiu reduzir a pegada de carbono do torneio em 21% em relação às estimativas iniciais.

 

Adaptação às novas condições

As duas últimas edições dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos foram as mais quentes da história, impondo desafios físicos aos atletas e impactando a experiência dos torcedores. Em Tóquio 2020, a maratona olímpica precisou ser transferida para outra cidade devido às altas temperaturas. Já em Paris 2024, o calor extremo prejudicou o desempenho de competidores. “Fica difícil até de pensar, de tomar decisões”, disse a jogadora lituana de vôlei de praia Aine Raupelyte sobre a sensação térmica de 40º C durante uma partida na capital francesa.¹

Medidas de adaptação climática vêm se tornando parte fundamental do planejamento de eventos esportivos, resultando, inclusive, em mudanças nas regras do jogo. Pausas para hidratação em partidas de futebol realizadas em regiões tropicais já se tornaram padrão.

Organizadores também passaram a considerar alterações nos calendários das competições, ajustes nos horários das partidas e até a realocação de eventos para locais com condições climáticas mais favoráveis. Os impactos do aquecimento global também vêm influenciando o design de instalações esportivas, seja no reforço estrutural para resistir a fenômenos climáticos extremos, seja na escolha de onde construir novas arenas.

Um exemplo dessa adaptação é o Australian Open, torneio de tênis realizado anualmente durante o verão australiano. Com temperaturas frequentemente acima dos 40° C, os organizadores implementaram um protocolo que protege atletas e espectadores ao prever a interrupção e até a suspensão temporária das partidas quando o índice de calor atinge níveis críticos. Essas medidas se mostraram essenciais na edição de 2024, quando condições climáticas extremas forçaram o adiamento de jogos e a reestruturação do cronograma do torneio.

Com os eventos esportivos cada vez mais afetados pelas mudanças climáticas, estratégias eficazes de mitigação e adaptação deixam de ser apenas uma precaução e tornam-se essenciais para garantir o bem-estar dos atletas e a integridade das competições.

 

O poder da influência

Além das iniciativas já adotadas por algumas organizações para reduzir emissões e se preparar para os impactos climáticos, o esporte também desempenha um papel fundamental na mobilização social e na conscientização ambiental. Clubes e franquias esportivas reúnem milhões de torcedores em torno de seus jogos, notícias e produtos oficiais. Grandes eventos como a Copa do Mundo da Fifa e os Jogos Olímpicos e Paralímpicos envolvem quase dois terços da população mundial, tornando o esporte uma plataforma poderosa para impulsionar debates e mudanças.

Os atletas, por sua vez, possuem um alcance comparável ao de estrelas do entretenimento. As duas pessoas com mais seguidores no Instagram no mundo, por exemplo, são jogadores de futebol: Cristiano Ronaldo (649 milhões de seguidores) e Lionel Messi (504 milhões). Apesar desse enorme potencial de influência, o engajamento de atletas na causa climática ainda é limitado. Mas um número crescente de esportistas, equipes e ligas já começa a usar sua visibilidade para promover mudanças concretas. Um exemplo recente foi a carta aberta de mais de cem jogadoras de futebol à Fifa, pedindo que a entidade reconsiderasse sua parceria com a Saudi Aramco, uma das maiores petrolíferas do mundo. Esse tipo de posicionamento mostra que há atletas dispostos a influenciar não apenas seus fãs, mas também as esferas decisórias do esporte.

O esporte também tem demonstrado sua capacidade de mobilizar apoio em resposta a desastres climáticos. Durante as enchentes que afetaram o Sul do Brasil em maio de 2024, o setor esportivo ajudou a arrecadar doações e ampliar a rede de solidariedade. Jogadores de clubes da região e atletas olímpicos locais participaram pessoalmente de resgates, e sua visibilidade ajudou a amplificar o potencial de ajuda. Vários clubes brasileiros também organizaram ações entre seus torcedores. O Atlético Mineiro, por exemplo, abriu seu estádio para uma sessão de treinamento solidária que reuniu 36 mil pessoas e arrecadou dez toneladas de donativos e R$ 700 mil em uma única manhã.

Os torcedores querem ver mais iniciativas como essas, apontou o estudo Bigger than the Game, conduzido pela iniciativa Esportes pela Ação Climática da Organização das Nações Unidas (ONU) com 1.815 pessoas em 2023. Segundo a pesquisa, 70% dos entrevistados acreditam que atletas têm um papel importante na conscientização climática, e 75% enxergam nos clubes esportivos um papel essencial na educação sobre causas e impactos das mudanças climáticas.

Esse cenário representa uma grande oportunidade para que organizações esportivas aprofundem o engajamento de seus torcedores e promovam ações concretas pelo clima.

O impacto do esporte se estende ainda a diversas esferas de influência. De campanhas e iniciativas voltadas para torcedores a parcerias com cidades para incentivar transportes sustentáveis e o uso de energias renováveis, o setor tem o potencial de impulsionar mudanças estruturais. Além disso, ao priorizar fornecedores comprometidos com a sustentabilidade e selecionar patrocinadores alinhados com valores ambientais, o esporte pode transformar sua cadeia produtiva e influenciar toda a indústria.

 

União de forças

A iniciativa Esportes pela Ação Climática foi lançada em 2018 pela ONU como um compromisso global para incentivar organizações esportivas a reduzir suas emissões e usar seu alcance para conscientizar torcedores sobre a crise climática. Atualmente, cerca de 300 entidades – incluindo federações, comitês olímpicos, clubes e arenas – aderiram à iniciativa, comprometendo-se a reduzir suas emissões em 50% até 2030 e alcançar a neutralidade de carbono até 2040.

Outra iniciativa relevante foi lançada pelo governo brasileiro durante a COP29, em Baku. Na ocasião, o Ministério do Esporte apresentou o Plano Nacional de Ação Climática para o Esporte, desenvolvido com o Instituto Esporte pelo Planeta. O plano busca mobilizar a comunidade esportiva, ampliando o papel do esporte como ferramenta de educação e engajamento para os desafios climáticos, ao mesmo tempo que mitiga a contribuição do setor para o aquecimento global. O momento para essa iniciativa não poderia ser mais oportuno: ao sediar a COP30, o Brasil tem a chance de assumir uma posição de liderança na agenda climática global do setor esportivo. Agora, o desafio está na implementação de ações concretas que tornem esse compromisso uma referência internacional.

A crise do clima exige ação coletiva, e o esporte pode ser um dos grandes catalisadores da solidariedade climática. Seu alcance e influência podem fortalecer a cooperação internacional, facilitar o compartilhamento de conhecimento e garantir que os impactos da crise climática sejam enfrentados com justiça e equidade. Quando mobilizado de forma estratégica, o esporte se torna uma força poderosa para a transformação social e ambiental, amplificando o chamado urgente à ação climática.

Leia também: A força das estratégias coletivas

 

OS AUTORES

Fernanda de Castro coordena a iniciativa Esportes pela Ação Climática da ONU e é mestra em ciências ambientais.

Fernando Trevisan é diretor-geral da Trevisan Escola de Negócios. Administrador e jornalista, é mestre em marketing estratégico pela Universidade Cranfield.

 

NOTA

¹ Beatriz Cesarini et al. “Paris 40 graus: calor castiga público e faz atletas sofrerem nas Olimpíadas”, UOL, 30.jul.2024.

Mantenedores Institucionais

Apoio institucional