Stakeholders de fundações privadas pedem, sistematicamente, melhorias nos processos de concessão de recursos. Organizações beneficiadas há muito expressam preocupação com o desequilíbrio de poder entre fundações e seus parceiros. Críticos da filantropia cobram mais transparência, apontando os riscos das iniciativas idiossincráticas de grandes doadores. E, embora os beneficiários muitas vezes não tenham espaço para se fazer ouvir, lideranças do setor têm insistido para que as fundações se esforcem mais em escutá-los.
Para atender a essas demandas, defendemos que as fundações devem aumentar substancialmente os investimentos em sua capacidade interna, ou seja, na quantidade e na qualidade do pessoal responsável pela concessão de recursos.
Qualquer discussão sobre essas equipes deve começar com o seguinte dado: fundações gastam pouquíssimo com elas. Analisamos os documentos que as fundações privadas dos Estados Unidos enviam à Receita Federal e identificamos 13.882 fundações privadas não operacionais (ou seja, que não operam diretamente seus próprios programas beneficentes) com mais de US$ 1 milhão em ativos, mais de US$ 100 mil em doações concedidas e mais de dez doações concedidas em sua declaração mais recente. Dessas, impressionantes 9.569 – 69% – relataram não ter nenhuma despesa salarial relativa à sua atividade beneficente, considerando remuneração de diretores e outros funcionários e benefícios pagos.
Essas fundações concederam US$ 11,6 bilhões em doações no ano mais recente analisado. Em relação às 4.313 fundações que reportaram tal despesa, a mediana pagou apenas US$ 0,08 em salários para cada dólar doado e US$ 1.505 para cada concessão.
Ao analisar as cem maiores fundações da amostra, constatamos que 16 não registraram nenhuma despesa com remuneração. A fundação mediana desse grupo gastou US$ 0,06 em salários para cada dólar doado e US$ 9.538 em despesas salariais para cada doação. A Fundação Bill & Melinda Gates, a maior da amostra, declarou ter gasto em 2019 cerca de US$ 0,10 em salários de funcionários para cada dólar doado e US$ 89 mil por concessão.
É possível argumentar que faz sentido essas fundações gastarem mais por concessão, já que os valores de suas doações são proporcionalmente maiores. Segundo essa lógica, o que realmente importa é o valor gasto com salários por cada dólar doado, e não o total por concessão. E, por esse critério, as fundações menores já estão gastando mais do que as maiores em seus processos decisórios.
Contudo, se gastar mais por cada doação melhora o processo para os contemplados com os recursos e os resultados para as populações atendidas, esse gasto extra faz sentido. O objetivo da filantropia não é minimizar custos, e sim maximizar o impacto positivo na vida das pessoas para cada dólar investido.
Além disso, embora muitos fatores possam explicar as diferenças de gastos entre fundações, não há indícios claros de que as maiores estejam gastando em excesso – o que já é suficiente para questionar se o restante da amostra não estaria gastando aquém do necessário.
Os benefícios podem justificar os custos
Pensemos em maneiras de aprimorar os processos de concessão de recursos por meio da ampliação das equipes. O movimento da filantropia baseada na confiança (TBP, na sigla em inglês) defende que o desequilíbrio de poder entre financiadores e contemplados pode ser reduzido por meio de boas práticas. Defensores da TBP sugerem que financiadores aprendam sobre o cenário filantrópico no qual atuam, simplifiquem e agilizem seus processos e relatórios, e encontrem maneiras de apoiar seus parceiros além dos recursos financeiros. Também argumentam que processos fechados de candidaturas reduzem a igualdade de oportunidades e recomendam uma política aberta de manifestação de interesse, que permita às organizações se apresentarem para financiadores. Investimentos na capacitação de pessoal, como a contratação de especialistas, podem ajudar as fundações na implementação mais eficaz dessas práticas.
Um processo sólido de concessão de recursos envolve realizar diligência prévia e avaliações de impacto das oportunidades de financiamento. A diligência prévia permite que as fundações evitem situações constrangedoras que possam atrair a atenção da mídia ou da Receita Federal. Já as avaliações de impacto possibilitam a identificação dos meios mais eficazes para alcançar os objetivos da fundação, já que há evidências de que algumas doações geram mais resultados positivos do que outras. Suponhamos, por exemplo, que uma fundação meça seu impacto com base nas taxas de conclusão do ensino médio entre estudantes em situação de risco. Redirecionar recursos de intervenções caras e ineficazes (como a compra de novas tecnologias para alunos) para intervenções de alto custo-benefício (como a oferta de materiais pedagógicos estruturados para professores) pode significar a diferença entre causar quase nenhum impacto e gerar uma transformação significativa nesse indicador. Encontrar doações mais eficazes pode gerar mudanças profundas para os beneficiários. Identificar essas oportunidades exige tempo e conhecimento especializado. Portanto, as fundações podem aumentar sua efetividade ao investir em equipes com a experiência e a capacidade necessárias para identificar oportunidades alinhadas à sua missão.
É plausível, pois, que muitas fundações possam aprimorar seus processos de concessão de recursos e, desse modo, tratar as organizações beneficiadas com mais respeito e ampliar o alcance do impacto social. Porém, tanto a adoção das práticas recomendadas pela filantropia baseada na confiança como a busca por maior efetividade envolvem um custo: contar com pessoal qualificado e em número suficiente. Esse custo se justifica?
É compreensível que muitas fundações tenham receio de investir em funcionários. Em geral, doadores respondem negativamente a despesas operacionais e preferem que suas doações sejam destinadas a programas. Ademais, custos operacionais de organizações sem fins lucrativos raramente são tratados de forma positiva na imprensa, o que indica que as fundações arriscam sua reputação quando investem em pessoal.
Por outro lado, especialistas têm criticado a aversão a esse tipo de custos, argumentando que se trata de uma métrica falha para avaliar o desempenho de organizações sem fins lucrativos. Embora o setor reconheça a importância dos gastos operacionais para o desenvolvimento de organizações sustentáveis e bem-sucedidas, alguém poderia questionar se isso também se aplica às fundações privadas. Em geral, elas não administram programas diretamente, mas distribuem recursos para organizações executoras. Não seria razoável esperar que fundações privadas tivessem pouca ou nenhuma despesa operacional?
Não necessariamente. Se é importante tratar as organizações beneficiadas com respeito, melhorando sua experiência na hora de solicitar e receber apoio financeiro, contar com uma equipe qualificada é fundamental. Ao investir nos processos de concessão, as fundações também sinalizam às entidades contempladas que entendem o valor dos custos operacionais. E se é possível fazer um bem maior para os beneficiários investindo mais em decisões ligadas à concessão de recursos, então pode-se argumentar que funcionários adicionais são um investimento que, na realidade, se paga.
Nossa sugestão
Embora sustentemos que as fundações estejam provavelmente investindo pouco em pessoal, não queremos dizer que há um valor ideal único que deveria ser gasto com salários. Algumas fundações talvez não precisem de funcionários remunerados, podendo ter conselhos ativos nas tomadas de decisão sobre doações; por outro lado, algumas fundações podem ter um escopo restrito, que não necessita de avaliações complexas. Nosso objetivo é incentivar as fundações a iniciarem essa conversa internamente – orientadas por análises de custo-benefício – e promoverem mudanças quando a ampliação da equipe tornar a fundação mais alinhada à filantropia baseada na confiança e mais eficaz em seu impacto.
Para facilitar essa conversa, propomos perguntas que os conselhos das fundações podem usar para avaliar maneiras melhores de alocar seus recursos. Qual é o nível atual de gastos da fundação com pessoal? Quanto é gasto por cada dólar doado e por cada doação realizada? Esses valores parecem altos ou baixos? Como se comparam com os de financiadores semelhantes? Essas perguntas podem ajudar o conselho a definir as bases para uma avaliação.
Conselhos podem ir além e perguntar: uma maior capacidade interna permitiria que a fundação atuasse de forma mais alinhada à filantropia baseada na confiança? Isso poderia ocorrer por meio da adoção de um processo aberto de manifestação de interesse, oferta de feedback a candidatos rejeitados, implementação de práticas recomendadas pela TBP ou outras medidas. Do mesmo modo, uma equipe mais robusta possibilitaria à fundação gerar mais impacto? Isso poderia ocorrer por meio de pesquisas sobre as melhores formas de alcançar suas prioridades, um processo de decisão sobre doações mais detalhado, aprendizados e avaliações significativas no plano das doações e da análise de portfólios, para citar algumas opções.
Esperamos que essas perguntas incentivem discussões produtivas entre membros do conselho, ajudando-os a refletir de forma crítica sobre as melhores maneiras de alcançar seus objetivos.