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A generosidade radical e o Dia de Doar

Como versão brasileira da campanha global Giving Tuesday, o Dia de Doar vem se expandindo por diversas regiões e impulsionando a cultura da generosidade no país.

Por João Paulo Vergueiro

Dia de Doar
Ilustração: VectorMine/Shutterstock

Desde que Asha Curran escreveu seu inspirador texto sobre o modelo do GivingTuesday, publicado pela SSIR em 2018, o movimento evoluiu e construiu uma nova teoria de mudança, apresentando a ideia da generosidade radical.

O conceito considera o ato de doar manifestado não como uma ação transacional entre aqueles que têm e os que não têm, e sim como uma expressão poderosa de solidariedade e reciprocidade que é permanente na sociedade.

Como diz Asha, no texto de introdução do planejamento estratégico do GivingTuesday, generosidade não é um substituto à justiça, mas não existe a possibilidade de justiça sem a generosidade.

Aqui no Brasil seguimos a mesma ideia, inspirados pelo nosso parceiro do Norte e pelo reconhecimento de que não será possível construirmos um movimento de incentivo à generosidade no país se não a pensarmos como uma expressão que deve ser valorizada e estimulada de forma contínua e disseminada.

Desde 2013 realizamos a nossa versão local e tropicalizada do GivingTuesday, aqui chamada de Dia de Doar. A primeira edição foi em um sábado e não era alinhada com o movimento global. Já no ano seguinte, entretanto, o Brasil passou para a lista de países que realizam suas versões locais oficiais do #GivingTuesday.

A organização selecionada para representar o país foi a Associação Brasileira de Captadores de Recursos (ABCR), também a primeira a divulgar por aqui a criação do #GivingTuesday, ainda em 2012. A associação faz parte do Movimento por uma Cultura de Doação, que já tinha a intenção de promover uma campanha como essa naquela época.

Vinda da base do setor, a ABCR é constituída pelos próprios profissionais que atuam dentro das organizações da sociedade civil. Embora não contasse com os recursos financeiros das organizações clássicas da filantropia, a ABCR tinha acesso direto a milhares de organizações também da base do setor sem fins lucrativos brasileiro e usou isso como principal estratégia para a disseminação do Dia de Doar no país.

Assim, desde os seus primeiros anos, o Dia de Doar consolidou-se como uma força junto às próprias organizações, que passaram a utilizá-lo como parte da sua estratégia de captação de recursos – ou muitas vezes até para finalmente começarem a pedir doações junto às suas comunidades.

Em parceria principalmente com a empresa Umbigo do Mundo, que liderou a comunicação do Dia de Doar de 2015 a 2020, criando o jingle, os slogans e outras peças marcantes, e contando também com o apoio de outros parceiros do Movimento por uma Cultura de Doação, o Dia de Doar se disseminou pelo país.

Para que isso acontecesse foi mantida a mesma estratégia do movimento original nos Estados Unidos, de fazer do Dia de Doar uma iniciativa horizontal, descentralizada, em que cada participante se apropria e faz o seu próprio Dia de Doar.

Não precisava ter o mesmo nome, as mesmas cores, sequer a mesma logomarca: cada participante lidera o Dia de Doar à sua imagem e dentro da sua estratégia de como promover mais doações.

Além das campanhas lideradas pelas próprias organizações sem fins lucrativos, as pessoas começaram a se voluntariar para liderar iniciativas do Dia de Doar e, em vez de pedir doações a uma única organização, tinham como objetivo estimular a generosidade em toda uma cidade ou região.

A primeira delas foi em Limeira, no interior do Estado de São Paulo, com o #Dia de Doar Limeira. A ela seguiram-se outras cidades, como Gramado e Novo Hamburgo (RS), Caicó (RN) e Sorocaba (SP) – esta última, inclusive, tendo se tornado referência mundial em cidades promovendo a generosidade.

As campanhas comunitárias se espalharam pelo país e atualmente mais de 65 delas estão ativas, em todas as regiões, incluindo capitais estaduais, como Rio de Janeiro (RJ), Salvador (BA), Curitiba (PR), São Luís (MA), Florianópolis (SC) e Manaus (AM); grandes cidades como Pelotas (RS), Ribeirão Preto (SP), Uberlândia (MG), Joinville (SC) e Maringá (PR); e municípios com populações menores, como Esteio (RS), Tubarão (SC), Piracaia (SP) e Glória do Goitá (PE).

Três estados também já contam com campanhas comunitárias estimulando a generosidade em todo o território brasileiro. A primeira a surgir foi o Doa Sergipe, no menor estado do país. A ele se seguiram o Doa Minas e, mais recentemente, o movimento Doa Rondônia, na região Norte.

As campanhas comunitárias ajudam a levar adiante o conceito de generosidade radical do #GivingTuesday. E contribuem para que a própria comunidade reconheça a importância de apoiar as iniciativas locais, que fazem parte do território, estimulando que o bem seja feito de dentro para fora, do local para o global.

Ainda há muito trabalho pela frente. O Dia de Doar, ao contrário de muitas outras iniciativas importantes no Brasil, não surgiu com dinheiro, com mídia ou com força institucional. Surgiu da própria base, do próprio setor sem fins lucrativos.

Nos Estados Unidos, organizações e filantropos como Bill & Melinda Gates Foundation, Craig Newmark Philanthropies e Mackenzie Scott reconheceram a relevância da iniciativa e recentemente doaram milhões de dólares para o movimento, que hoje é uma organização própria, independente e com mais de 40 membros em todo o mundo.

No Brasil passamos a contar com apoios relevantes, em especial do Movimento Bem Maior, Morro do Conselho, Instituto Mol e Fundação José Luiz Egydio Setúbal. São fundamentais para que tenhamos crescido bastante em relação a 2013, porém, ainda não nos permitindo dar o próximo salto mais importante para o Dia de Doar no Brasil: nos tornarmos um movimento permanente de incentivo à generosidade Estamos maduros, estamos quase lá.

 

O AUTOR

João Paulo Vergueiro, diretor-executivo da ABCR e líder do Dia de Doar no Brasil



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