Filantropia corporativa como escudo político

Empresas em Taiwan com ligações ao partido no poder investiram em bem-estar público para reduzir o potencial de reação popular durante a transição democrática do país
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Em um país com um governo autoritário, as empresas frequentemente se beneficiam de suas conexões com o partido no poder. Mas se o país caminhar em direção à democracia, os negócios ligados aos antigos governantes podem querer ocultar esses vínculos. Uma forma de fazer isso é por meio da filantropia, mostra um novo estudo, que se baseia em exemplos dos protestos do Movimento Girassol de 2014 contra o partido governante em Taiwan. 

“Nossa pesquisa revela uma estratégia que as empresas adotam para sobreviver a transições democráticas e, assim, contribui para os estudos sobre como as empresas usam estratégias fora do mercado para se adaptar a mudanças institucionais”, escrevem os autores, destacando que suas descobertas mostram como “a responsabilidade social corporativa (RSC) estratégica pode substituir a atividade política empresarial ou compensar suas limitações”.

Os autores – Yishu Cai, doutorando em administração na Universidade Chinesa de Hong Kong; Lori Qingyuan Yue, professora associada de administração na escola de negócios da Universidade Columbia; Fangwen Lin, doutoranda em estratégia na Universidade Nacional de Singapura; Shipeng Yan, professor assistente de administração e estratégia na Universidade de Hong Kong; e Haibin Yang, professor de administração na Universidade Chinesa de Hong Kong – destacam a influência dos protestos em massa contra um regime ao alertar as empresas de que vínculos com o governo podem ser ruins para os negócios. 

O movimento de protesto de 2014 contra o governo do Kuomintang (KMT) em Taiwan ameaçou abalar não apenas o partido que governava o país havia décadas, mas também a posição de empresas locais que, por muito tempo, operaram sob o favorecimento do governo. No entanto, seriam necessários mais dois anos para que o partido perdesse o controle do Legislativo.

Os riscos eram altos: o movimento chamou atenção para o que os manifestantes denunciaram como “corrupção e conluio entre o regime e empresas ligadas a ele”, afirma Cai. Empresas com vínculos com o KMT – muitas das quais haviam se beneficiado de contratos públicos lucrativos que não eram concedidos a organizações sem ligação política – corriam o risco de sofrer retaliações caso o partido de oposição assumisse o poder. Os executivos dessas empresas precisaram operar em condições incertas durante os protestos, sem provocar os líderes do KMT, já fragilizados, de modo que não pudessem acusá-los de deslealdade.

Para explicar essa dinâmica, os autores desenvolveram o conceito de risco de transição. Se as empresas quisessem atenuar sua associação pública com o partido no poder, sem correr o risco de afastar as lideranças em exercício, havia uma alternativa: a filantropia. Optar por apoiar o bem-estar público poderia agradar a população – ou, ao menos, evitar maiores danos à reputação dessas empresas. Esse tipo de publicidade também era politicamente inofensivo e tinha o benefício adicional de favorecer grupos de baixa renda e em situação de vulnerabilidade, o que ajudaria a neutralizar parte dos impactos negativos de suas conexões com o KMT, caso os antigos governantes de fato fossem derrubados pelos protestos.

“É um cálculo estratégico que motiva a doação”, diz Cai.

Os pesquisadores analisaram 1.267 empresas de capital aberto em Taiwan a cada trimestre entre 2012 a 2015, abrangendo o período do Movimento Girassol, que começou no início de 2014. Excluíram empresas do setor financeiro e estatais e controlaram variáveis como o histórico prévio de doações filantrópicas por parte das empresas, envolvimento em casos de corrupção com autoridades do KMT e outros fatores complicadores.

“A principal contribuição do nosso estudo é mostrar que a transição democrática é um processo demorado”, afirma Cai. “Em vez de mudar frequentemente a lealdade entre os partidos e apostar em um cenário político em constante transformação, sugerimos que as empresas se saem melhor ao construir laços sólidos com a sociedade civil – o fortalecimento da sociedade civil é uma tendência crucial em transições democráticas turbulentas.”

As empresas aliadas ao KMT analisadas na pesquisa fizeram doações para causas de bem-estar público, mas não romperam seus vínculos com o partido, nem passaram a financiar diretamente o movimento pró-democracia.

“Esse estudo é especialmente interessante pelo que revela sobre as estratégias de proteção adotadas por empresas”, diz Mark Mizruchi, professor de sociologia, administração e organizações da Universidade de Michigan. “Ao fazer doações filantrópicas em vez de apoiar o movimento pró-democracia de maneira direta, as organizações conseguiram preservar uma negação plausível caso o movimento fracassasse.”  

Veja o estudo completo: “CSR as Hedging Against Institutional Transition Risk: Corporate Philanthropy After the Sunflower Movement in Taiwan”, por Yishu Cai, Lori Qingyuan Yue, Fangwen Lin, Shipeng Yan e Haibin Yang, Administrative Science Quarterly, v. 70, n. 2, 2025.