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Uma meta inovadora: a recuperação de áreas com negócios sustentáveis

A Meta Florestal 2030 da Vale torna evidente o potencial de parcerias entre empresas, pesquisadores e o setor público em cooperações que conciliam a conservação e a recuperação de áreas com o desenvolvimento socioeconômico

Por Bia Marchiori, Gustavo Luz, Juliana Vilhena e Nathalia Cipoleta

 

Desde o lançamento do desafio de Bonn, em setembro de 2011, diversos compromissos de proteção e recuperação ambiental foram assumidos em todo o mundo para o cumprimento da meta proposta. Organizado pelo governo alemão e pela União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN, na sigla em inglês), o desafio propôs a restauração de 150 milhões de hectares de paisagens degradadas até 2020 e 350 milhões de hectares até 2030, visando não apenas recuperar ecossistemas, mas também combater as mudanças climáticas e promover a biodiversidade. Pelo seu tamanho, esse desafio só poderia ser superado com a mobilização de governos, organizações do terceiro setor, comunidades e o capital privado.

No Brasil, a Vale assumiu o protagonismo dessa agenda em 2019 com o compromisso voluntário de proteger e recuperar 500 mil hectares de áreas além de suas fronteiras, por meio da Meta Florestal 2030. A iniciativa da Vale se baseia naquilo que já é consenso na comunidade científica: reduzir as emissões de gases de efeito estufa e proteger as florestas são as principais ações humanas voltadas para lidar com as causas do aquecimento do planeta. Segundo Philip Fearnside, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), uma autoridade em ecologia tropical e impactos ambientais, não podemos esperar a Amazônia ser ainda mais degradada para agir.

O foco principal da Meta Florestal é proteger a floresta em pé – são 400 mil hectares destinados a iniciativas de proteção de florestas – e, para as áreas que já sofreram algum tipo de degradação, o objetivo é recuperar 100 mil hectares por meio de negócios sustentáveis.

O Fundo Vale desempenha um papel fundamental na implementação da Meta Florestal. Há 15 anos ajudando a construir uma nova realidade econômica, investindo no desenvolvimento de negócios, na geração de conhecimento e em arranjos financeiros voltados à conservação e recuperação de biomas, com especial atenção para a Amazônia, o Fundo Vale é responsável por estruturar e financiar negócios e projetos que promovam impactos socioambientais positivos. Por isso as soluções inovadoras que envolvam recurso financeiro catalítico para as frentes de recuperação e proteção são conduzidas pelo Fundo.

Um dos grandes desafios no que diz respeito à floresta em pé é que hoje os ganhos econômicos de curto prazo provenientes de práticas degradantes ao meio ambiente e, em muitos casos ilegais, são com frequência maiores do que aqueles obtidos por meio de iniciativas que envolvam sua conservação. Nesse contexto, novas abordagens – na mesma escala econômica – são essenciais para gerar maior valor compartilhado a partir do uso sustentável do solo.

Como parte de suas estratégias, o Fundo Vale se debruça sobre um programa para avaliar novas formas de “pensar a economia florestal”, no qual atrela a redução de custos da reposição de floresta a modelos de negócios baseados na criação intencional de valor de florestas em pé e/ou recuperadas. Além disso, mantém o foco em iniciativas de geração de valor compartilhado capazes de contribuir com o desafio de conceber uma abordagem com aspectos econômicos e socioambientais em equilíbrio.

A partir da constatação da insuficiência do modelo tradicional de recuperação de áreas degradadas para a escala pretendida, a Vale passou a avaliar negócios agroflorestais regenerativos como alavanca para o atingimento da meta 2030. Nesse cenário, por meio do Fundo Vale, teve início um projeto de análise, fortalecimento e financiamento em um portfólio de negócios que entregam uma combinação ótima entre custo e impacto socioambiental para que se possa escalar e recuperar os 100 mil hectares, reduzindo custos da reposição florestal e saindo de projetos pontuais para uma maior escala com oportunidades de geração de renda para as comunidades.

O objetivo final é demonstrar como os setores público e privado, bem como as comunidades locais, podem se unir para gerar retornos atrativos e compartilhados a partir de negócios sustentáveis e avaliar a real escala de cadeias produtivas sustentáveis. Para alcançar esse propósito, os esforços se voltam para compreender como mobilizar investimentos, desenvolver e conectar mercados e fornecer apoio financeiro e técnico para iniciativas em diferentes níveis de maturidade, visando potencializar negócios que ofereçam impactos positivos sobre o uso do solo e um equilíbrio atrativo entre riscos e benefícios para todos as partes envolvidas. Atualmente, o processo de recuperação pode ocorrer a partir do financiamento ou aceleração em negócios sustentáveis e fundos florestais. Iniciativas que não apenas apresentam potencial de recuperação de serviços ecossistêmicos, mitigação das mudanças climáticas, mas também podem gerar benefícios econômicos para as comunidades locais. Desde 2019, os negócios apoiados já implantaram áreas nos biomas Amazônia, Caatinga, Cerrado e Mata Atlântica.

Ao longo dos anos, o Fundo Vale fez aportes que ultrapassam a R$ 160 milhões, sendo mais de R$ 30 milhões em suporte não financeiro. O fundo foi também responsável pela implantação de sistemas sustentáveis em mais de 12 mil hectares, 44% dos quais na Amazônia. Mais de quatro mil pessoas foram, direta ou indiretamente, impactadas – 3,7 mil foram capacitadas para o cultivo sustentável do cacau em 2023 e, desde 2021, uma média de 400 postos de trabalhos gerados ao ano.

Em 2021, uma Teoria de Mudança específica para a iniciativa foi formulada para direcionar as estratégias de implementação das ações de recuperação de áreas com a atuação direta dos negócios. No âmbito socioeconômico, a expectativa é que as iniciativas contribuam para a geração de novos postos de trabalho e, sobretudo, para o incremento na renda dos trabalhadores e agricultores envolvidos na recuperação das áreas. Espera-se também que, com a geração de retorno financeiro, ocorra uma distribuição justa dos benefícios financeiros aos parceiros. Já no âmbito ambiental, é esperado que as áreas recuperadas apresentem um incremento de qualidade ambiental e aumento do fornecimento de serviços ecossistêmicos.

O balanço de carbono dos arranjos, o aumento da cobertura vegetal e da melhora da qualidade do solo são acompanhados no processo. Uma parceria com o Instituto Tecnológico Vale (ITV) resultou no desenvolvimento de uma metodologia para o cálculo do índice de qualidade de solo (IQS). Por meio dela, é possível avaliar a capacidade do solo de funcionar dentro dos limites de um ecossistema natural ou manejado, para sustentar a produtividade de plantas e animais e de manter ou aumentar a qualidade dos serviços ecossistêmicos. Nas áreas implantadas entre 2020 e 2021, já é possível ver o solo melhorado.

Em outra frente, as quantidades das espécies plantadas em cada área são acompanhadas para mensurar a contribuição efetiva para o aumento da cobertura vegetal e uso de espécies nativas em cada arranjo. Para a avaliar a diversidade de espécies, índices de diversidade usados consideram, além do número de espécies (riqueza), a abundância dessas espécies e o número total de indivíduos plantados em cada área. Os negócios apoiados já implementaram mais de 60 espécies diferentes, sendo cerca de 58% delas nativas do Brasil.

 

Fortalecimento do ecossistema e dos negócios

 

No plano operacional, um dos principais desafios é o fato de o Brasil não dispor de projeto de recuperação em escala que tenha esse modelo de integração. Foi preciso testar e desenvolver diferentes soluções em regiões com características tão distintas que pudessem viabilizar o necessário potencial de crescimento para o alcance da meta de 100 mil hectares recuperados.

Como a característica principal dos negócios apoiados é conciliar projetos de recuperação de áreas por meio de sistemas sustentáveis com o uso de soluções inovadoras financeiras para alavancagem e escala, o Fundo Vale foi buscar parceiros e experiências atuando no ecossistema para solucionar ou fortalecer iniciativas que apoiassem um crescimento sustentável dessa agenda.

A estrutura adotada pela Meta Florestal 2030 permite que as empresas testem seus modelos de negócio em pequena escala antes de receberem investimentos mais robustos para expansão. Durante a fase de estruturação da Prova de Conceito (PoC), os empreendimentos experimentam suas soluções em áreas delimitadas, ajustam suas estratégias conforme necessário e demonstram a viabilidade técnica e econômica de suas abordagens.

Além da estruturação da PoC, o Fundo Vale se dedica ao fomento e à aceleração de negócios selecionados. A atuação não se restringe ao apoio financeiro aos negócios selecionados, mas inclui suporte técnico e estratégico, ajudando na superação de desafios operacionais e no alcance de uma escala maior de impacto. Mentoria em gestão e estratégia até a articulação de parcerias que possam fortalecer os modelos de negócio são atividades que podem ser implementadas.

Parceiro do programa desde o início, o Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora) é responsável por analisar as operações em termos de conformidade com as legislações trabalhistas e ambientais e todos os critérios de manutenção de direitos humanos nas áreas. O acompanhamento acontece por meio do diagnóstico técnico e documental dos empreendimentos, de suas práticas socioambientais e de uma análise de dados georreferenciados das áreas em recuperação. Isso permite ao Fundo Vale mitigar riscos relacionados a compliance social e ambiental dos negócios e oferecer aos empreendimentos a oportunidade de melhorias relacionadas ao sistema de gestão nas áreas em recuperação.

Já a consultoria de gestão de propriedades rurais Provalia auxilia os integrantes do portfólio de recuperação da Meta Florestal 2030 na melhor condução dos projetos em aspectos operacionais, de gestão ou financeiros. A Palladium, implementadora líder de programas de desenvolvimento internacional, uniu-se à iniciativa para mapear negócios e organizar um portfólio com oportunidades de investimentos de impacto, construir um plano de negócios para a iniciativa e apoiar na gestão da Meta.

A Reserva Natural Vale (RNV) e o Instituto Tecnológico Vale (ITV) oferecem experiências em recuperação e gestão de áreas e pesquisas nos âmbitos sociais e ambientais, contribuindo como organizações consultivas dentro do arranjo. Em 2022, os negócios apoiados tiveram a oportunidade de ser acelerados por meio do Programa de Aceleração de Negócios de Impacto, executado pela Fundação Certi e pela Darwin Startups. Com o objetivo de retratar o estágio de cada empreendimento, buscando entender os principais pontos fortes, riscos e gargalos, o processo teve início com um Diagnóstico de Negócios para Aceleração (DNA).

A partir da identificação dessas necessidades, uma análise dos negócios para definir as ações estratégicas e apoiar a construção dos planos de aceleração foi feita, permitindo que cada negócio pudesse trilhar um caminho específico com base em suas necessidades. O programa foi composto por três sprints, totalizando seis meses de duração. Contou com mentorias de especialistas, workshops, acompanhamento psicológico e palestras temáticas. Ao longo do processo, todos os negócios tiveram oportunidades de estabelecer conexões, bem como de desenvolver habilidades de liderança.

Negócios como Belterra e Caaporã, por exemplo, foram pioneiros na implementação de sistemas sustentáveis para recuperação de áreas nessa escala, combinando diferentes espécies com culturas com potencial de mercado crescente como o cacau, ou com produção animal. As duas empresas foram apoiadas para iniciar em 2019 um projeto-piloto para o plantio de 1.053 hectares para recuperar áreas com esses sistemas produtivos. No ano seguinte, juntaram-se ao trabalho a INOCAS (plantio consorciado de macaúba), a Regenera (sistemas agroflorestais, silvipastoris e silvicultura) e a Bioenergia (fruticultura consorciada). De 2020 a 2022, foram recuperados 7.393 hectares.

Em 2023, por meio do Mapeamento de Negócios Agroflorestais, a Cooperativa Agrícola Mista de Tomé-Açu (CAMTA), Courageous Land, Futuro Florestal e a Radix Investimentos, em formato de PoC, foram integradas à iniciativa. Cada uma dessas empresas traz soluções distintas para a recuperação de áreas, desde sistemas agroflorestais complexos até a criação de títulos florestais destinados ao financiamento da atividade. O êxito dessas iniciativas é crucial para determinar quais delas estão prontas para ampliar suas operações e contribuir em maior escala para as metas traçadas.

Além do financiamento para implantação das áreas e da aceleração dos negócios por meio de suporte de parceiros, o Fundo Vale buscou estabelecer parcerias com outros atores do ecossistema como o CocoaAction (Word Cocoa Foundation) para fortalecimento de cadeias produtivas, apoiando a criação de iniciativas como Curso EAD de Sistema Sustentável de cacau (Senar), treinamentos de trabalho seguro, práticas de viveiro e sistemas sustentáveis de cacau (Imaflora).

 

Metas nacionais

 

Ao acelerar e fortalecer o ecossistema de negócios de impacto que trabalham na recuperação de áreas, o Fundo Vale contribui diretamente para o cumprimento de metas estabelecidas pelo governo brasileiro. Uma delas está prevista no Plano Nacional de Recuperação da Vegetação Nativa (Planaveg), que abrange 12 milhões de hectares de paisagens e florestas até 2030. O Plano de Agricultura de Baixa Emissão de Carbono, por sua vez, envolve 15 milhões de hectares no mesmo período, incluindo o incremento de 5 milhões de hectares do sistema Integração Lavoura Pecuária e Florestas (ILPF).

Nas ações de proteção, a Meta Florestal 2030 é conduzida, até o momento, por parcerias firmadas entre a Reserva Natural Vale e quatro Unidades de Conservação (UCs), áreas estabelecidas pelo governo federal com o objetivo de preservar e promover o uso sustentável e a recuperação dos ambientes naturais. São 52 mil hectares, distribuídos em três UCs no Espírito Santo (Floresta Nacional de Goytacazes, Reserva Biológica de Duas Bocas e Monumento Natural Serra das Torres) e uma no Rio de Janeiro (Parque Estadual Cunhambebe).

Como parte de uma ação conjunta com o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), foram também implantadas iniciativas de conservação em mais 62 mil hectares de Mata Atlântica localizados em três estados brasileiros, conduzidos pelas reservas biológicas de Mata Escura (MG), Augusto Ruschi (ES) e Rebio União (RJ). Em 2022, um projeto de remuneração daqueles que mantêm suas florestas em pé, sem desmatar, e com isso evitam as emissões de gases de efeito estufa associadas ao desmatamento e degradação florestal, promovendo atividades de conservação e manejo sustentável das florestas (REDD+), passou a integrar esse conjunto, acrescentando ao total a proteção de cerca de 50 mil hectares.

Com os resultados já alcançados, a Meta Florestal 2030 da Vale torna evidente o potencial de parcerias entre empresas, pesquisadores e o setor público, cooperações que conciliam a conservação e a recuperação de áreas com o desenvolvimento socioeconômico. Ao longo dos próximos anos, a expectativa é que essa abordagem inovadora não apenas alcance as metas estabelecidas, mas também possa servir de modelo para outras iniciativas, contribuindo para a construção de um futuro mais sustentável para o Brasil e o mundo.

 

OS AUTORES

Bia Marchiori  é engenheira agrônoma formada pela UFRRJ, tem especialização em economia circular (PUC/RS), MBA em gestão de negócios (Esalq-USP) e cursando MBA em Agronegócios: indústria, produto e inovação (PUC/RS). Possui experiência no planejamento, implementação e desenvolvimento de projetos relacionados a desenvolvimento sustentável, recuperação e proteção de áreas. Atua no Fundo Vale na frente de sistemas sustentáveis, principalmente como responsável pelo acompanhamento técnico, de conhecimento e salvaguardas socioambientais da Meta Florestal 2030 da Vale.

Gustavo Luz é diretor-executivo do Fundo Vale Engenheiro e administrador, com especialização em finanças na Fundação Dom Cabral, estratégias de impacto positivo na Wharton School e MBA em mercado de capitais pela PUC-MG. Ingressou na Vale pela Diretoria de Energia e, após um período trabalhando em consultoria de gestão no Brasil e no exterior, retornou passando por várias diretorias, estando atualmente à frente do Fundo Vale. É liderando o desenvolvimento de modelos inovadores de investimento de impacto florestal e tese de carbono de impacto para a estratégia Net-Zero Vale, e também membro do conselho de administração da Biomas S.A.

Juliana Vilhena é gerente de estratégia, gestão e impacto no Fundo Vale, arquiteta e urbanista, mestre em engenharia civil com ênfase em gestão de empreendimentos e MBA em Gestão de Projetos pelo IETEC. Responsável pela gestão estratégica de impacto no Fundo Vale e coordenação do monitoramento, reporte e verificação (MRV) da Meta Florestal 2030 Vale (componente de recuperação).

Nathalia Cipoleta é mestre em agroecologia e desenvolvimento rural pela UFSCar, com MBA em gestão de projetos, bacharel em engenharia ambiental e pós-graduanda em ESG. Desde 2014 trabalha no setor social por meio do voluntariado. Foi responsável financeira da operação nacional da AIESEC na Nicarágua entre 2017 e 2018. É especialista em gestão de projetos socioambientais, certificada Project DPro e trabalha com foco em gestão estratégica de impacto.



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