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Remover barreiras ao empreendedorismo

Com a filantropia baseada em confiança, a eBay Foundation quer fomentar oportunidades para pessoas historicamente excluídas

Por Veronica Deviá

Quando a autonomia das instituições é colocada em primeiro lugar, a filantropia deixa de ser uma protagonista para ser facilitadora. É assim que Allie Ottoboni, da Fundação eBay, entende o papel da organização como praticante da trust based philanthropy, filantropia baseada em confiança, abordagem que vem ganhando cada vez mais espaço no ecossistema de financiamento de projetos sociais.

Criada em 1998 para fomentar o empreendedorismo e fortalecer comunidades, a Fundação eBay vê seu apoio para além dos recursos, confiando em seus grantees para que sigam os caminhos que desejam seguir – e não onde as corporações entendem que eles devem estar.

 

Qual é a visão de filantropia da Fundação eBay?

 

Primeiramente, estamos focados em remover barreiras ao empreendedorismo, especialmente para pessoas que foram historicamente excluídas, e essa é a nossa estratégia geral. Nos últimos anos, atingimos níveis elevados de financiamento e concessão de grants e promovemos valores e comportamentos que consideramos necessários no campo, como o movimento que chamamos de trust based philanthropy [filantropia baseada em confiança].

Essa abordagem inovadora é maravilhosa para quem precisa de recursos e estrutura e se baseia em favorecer que a filantropia crie mais equidade entre as dinâmicas de poder existentes e que são problemáticas. Além disso, lida com as maneiras como as organizações sem fins lucrativos podem tomar a frente, já que são as especialistas em seus campos de atuação.

Acredito que o que estamos fazendo seja muito importante. Sabemos que nós não somos os detentores do conhecimento e que, na verdade, as organizações sem fins lucrativos que apoiamos é que são as especialistas Queremos que suas vozes sejam o centro do trabalho.

 

Na prática, como isso funciona?

 

A filantropia baseada em confiança transfere a maior parte dos nossos subsídios para apoio operacional geral. Assim, em vez de dizer que os beneficiários só podem usar esse subsídio em um programa específico e que, por exemplo, o pagamento de sua equipe deverá vir de outra fonte, dizemos às organizações: “Vocês estão trabalhando em uma área que está alinhada com o que estamos tentando abordar e, por isso, faremos essa doação e confiamos em vocês para usá-la”.

Fundações podem ser bastante prescritivas com as organizações sem fins lucrativos que apoiam, principalmente no tocante aos resultados. Nessa abordagem, avaliamos quais são os tipos de progresso ou indicadores aptos às organizações de acordo com o caminho que elas desejam seguir – por exemplo, se esses indicadores devem ser quantitativos ou qualitativos – e como podemos ajudar. Buscamos ser totalmente honestos e confiar. Com a base na confiança, a concessão de recursos se torna relacional, em lugar de transacional.

 

Esse modelo existiu desde o início na Fundação eBay ou essa ideia surgiu com o tempo?

 

Eu diria que foi uma evolução para nós. A Fundação eBay se volta para o empreendedorismo há muito tempo, mas essa abordagem nasce de um conjunto de comportamentos, por volta dos anos 2010. A ideia é que não cheguemos mandando e impondo funcionamentos, mas fazendo perguntas “Qual é a cultura que você está construindo na sua organização?”; “como é a liderança?”; “quais são os valores que você mantêm?”; “o que significam as estruturas que existem?”. Nós estamos reexaminando nosso papel e nossa responsabilidade como financiadores.

 

Qual diferença você vê entre o que vocês estão fazendo e o trabalho de outras organizações? 

 

Nossa abordagem ainda não é a dominante no campo. No entanto uma pequena, porém poderosa, porcentagem do setor filantrópico está endossando plenamente essa ideia.

Em especial quando olhamos para fundações corporativas, é raro ver, na atualidade, um financiador que abrace essas práticas em suas estratégias. Conhecemos a necessidade, sobretudo dentro de empresas, de ter indicadores e medir resultados. Reitero que nós estamos aprendendo como fazer isso e não temos todas as respostas, mas internamente defendemos que nossa área é parte do negócio e estamos mirando ações de longo prazo. Essa construção é feita com confiança nas organizações que apoiamos e inovando em áreas às quais essas beneficiárias não estão acostumadas, como trazer pessoas externas para seus conselhos. O trabalho que estamos fazendo é o de levar essa nova visão para o mundo corporativo, que está acostumado a ter todas as suas questões resolvidas e que gosta de controlar cada passo da organização. Para nós é diferente.

 

Qual é o maior desafio na promoção dessa causa?

A resistência quanto à filosofia baseada em confiança se mostra quando ela é interpretada como apenas abrir a carteira sem responsabilidade ou sem a devida construção de relacionamento. Na realidade, essa construção se dá de forma profunda e redefine a própria noção de responsabilidade. Não é uma imposição de cima para baixo na qual uma empresa diz para uma organização sem fins lucrativos o que ela deve fazer e o que ocorre com o financiamento caso ela não atinja os objetivos definidos.

É preciso que os financiadores assumam uma maior responsabilidade sobre como devemos nos fazer presentes e também é necessário ter mais conversas com as pessoas que servimos, a fim de entender melhor o trabalho que está sendo realizado. Se não estamos na linha de frente, por que eu devo ditar as regras?

Então, acredito que haja um mal-entendido sobre o que de fato é a filantropia baseada em confiança. Mas trata-se de uma discussão e um conflito saudáveis. Precisamos esclarecer que não acreditamos em ter uma posição de controle e concentração de poder, mas de redistribuição de riqueza e poder.

 

Como é esse desafio dentro da própria organização? 

 

Temos um conselho maravilhoso que se juntou a nós nessa jornada e tem nos apoiado muito. Entendo que, dentro de uma empresa, questionamentos sobre resultados, estratégia e escolhas de financiamento sejam esperados. Mas trabalhamos com a ideia de reformular a forma como nosso trabalho serve para apoiar as organizações sem fins lucrativos a fim de entender se elas estão no caminho que desejam seguir.

Mais especificamente quanto à nossa causa, ainda encontramos muitas barreiras até para entender o que seja o empreendedorismo. A palavra [em inglês, entrepreneurship], é difícil, às vezes nem sabemos soletrá-la. Nosso maior desafio quando falamos de empreendedorismo é perder de vista as pessoas reais por trás. Na maioria dos casos, são pessoas ligadas às suas comunidades, no centro das quetões e também das soluções comunitárias. São essas as pessoas que mais investem nas suas comunidades.

Gosto da história de um dos nossos parceiros beneficiários, a Black Innovation Alliance, na figura da Kelly Burton, que é uma líder incrível. Ela diz lindamente que o empreendedorismo é o principal propulsor de riqueza. Mas para isso, precisamos descomplicar as coisas e fazer com que pareçam de fato reais para as pessoas. A filantropia precisa ajudar, não atrapalhar. Falamos sobre todas as siglas desse universo que fazem com que a gente perca as pessoas, em vez de aproximá-las. Hoje sabemos o que funcionou para nós: como podemos contar essa história de um ponto de vista humano e torná-la palpável para as pessoas?

Há alguma iniciativa que você gostaria de compartilhar?

 

A Black Innovation Week (Semana Negra de Inovação) em Washington DC, que surgiu em 2020,  de uma ideia da Black Innovation Alliance. É uma organização que não tem nem quatro anos. Kelly Burton viu a necessidade de conectar empreendedores negros em todos os Estados Unidos. Mas a organização vai além disso, ela também os põe em evidência e mostra a sua inovação e seu empreendedorismo como uma forma de transpor a disparidade racial na produção de riqueza. Nossa equipe se juntou a eles para o apoio do lançamento do Black Caucus on Innovation, novamente em Washigton, em 2022, com um grant de cerca de US$ 1 milhão. Em seguida, vimos financiadores chegarem a níveis ainda mais elevados de apoio. Não podemos reivindicar o crédito por ter feito isso acontecer, mas fizemos parte desse impulso. Para mim esse é um ótimo exemplo de um grupo que está realmente pensando em como reconstruir um sistema e como podemos ajudar as pessoas a se sentirem conectadas em sua jornada.

É incrível vê-los continuar seu trabalho, especialmente em se tratando de uma organização tão jovem. Eles realmente estão mudando o jogo. E eu sinto que isso é um exemplo perfeito do que é possível alcançar com a filantropia baseada em confiança.

 

Allie Ottoboni

Allie Ottoboni é bacharel Psicologia e Espanhol pela Indiana University e Presidente da eBay Foundation, onde ela orienta investimentos em programas focados no empreendedorismo inclusivo. Uma defensora da prática de filantropia baseada na confiança (“trust based philanthropy”), Allie liderou estrategicamente a equipe da eBay Foundation para aumentar a concessão anual de subsídios (quintuplicou entre 2019 e 2020), construir um portfólio de beneficiários que impactam mais de 300 mil empreendedores e mobilizar milhares de funcionários da eBay por meio de programas de doações e voluntariado. Allie também orientou o desenvolvimento e crescimento do Conselho da eBay Foundation, incluindo a convidar e receber dois membros do Conselho de fora da empresa – uma novidade para a eBay Foundation.



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