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Promover a diversidade na filantropia

Apoiar comunidades de migrantes, ajudar mulheres vítimas de violência, tornar a filantropia acessível a todos e promover uma abordagem mais progressista são as bases da HIP

Por Veronica Deviá

Um número recorde de migrantes chegou à fronteira sul dos Estados Unidos em 2023. Segundo dados da U.S. Customs and Border Protection, autoridade alfandegária americana, cerca de 2,5 milhões contribuíram para o total de 62,5 milhões de latino-americanos no país – os latinos, como são chamados, são aproximadamente 19% da população nacional. O peso dessa população traz temas como xenofobia e protecionismo para o centro das eleições presidenciais em novembro.

Muito além dos dados do noticiário duro, porém, um movimento novo se expande nesse contingente: a filantropia. Entre aqueles que deixaram para trás os países da América Central e do Sul, crescem doadores e investidores de impacto interessados em desenvolver suas comunidades de origem. As antigas remessas de salário dão lugar a grants para organizações sociais, e o assistencialismo vem dando lugar a uma rede cada vez maior e especializada de instituições, caso da Hispanics in Philantropy  (HIP).

Vice-presidente da HIP, Gracia Goya falou de filantropia transnacional, representatividade latina e do futuro da região.

 

Como é o trabalho da Hispanics in Philanthropy?

A HIP opera como uma rede internacional de doadores, concentrando-se no apoio aos latinos nos Estados Unidos e na América Latina. Nosso trabalho é crucial para investir nessas comunidades, especialmente nas cidades que concentram a população de migrantes desses países nos EUA. Nossos esforços estão em quatro áreas principais: apoiar comunidades de migrantes; ajudar mulheres vítimas de violência; criar uma plataforma de filantropia acessível a todos, não apenas aos ricos; e promover uma abordagem mais progressista na filantropia. Isso inclui aprender e desenvolver nossa linguagem em temas críticos, como o racismo.

Há também um outro desafio: promover a diversidade na filantropia, já que, em geral, há poucos latinos ocupando posições de destaque na área. A comunidade latina não vê sua importância devidamente representada e, apesar de essa agenda ainda estar ganhando corpo, a urgência do debate não se traduz em recursos e na tomada de decisões. Portanto, para o benefício de toda a comunidade, é fundamental que haja uma representação efetiva e mais participação.

Em 2010, se você quisesse investir em educação na América Latina, encontraria cinco organizações trabalhando na região, sendo que três delas tinham sede nos Estados Unidos. Hoje, nosso trabalho proporciona a visibilidade que as instituições menores precisam para divulgar suas iniciativas e obter recursos junto a um público maior em uma rede nos EUA.

Além disso, doar pode ser o equivalente a investir. Temos também um fundo para Empreendedores Sociais, parte de uma rede transnacional. Migrantes do Brasil, Colômbia e México podem se beneficiar dessa rede, com investimentos que os conectam com suas comunidades.

A pergunta central é: como aumentar o impacto ao doar como parte de um grupo, não apenas como indivíduo? A ideia é que doar coletivamente potencializa o impacto, permitindo que as contribuições individuais se somem e causem mudanças significativas.

 

O que é filantropia transnacional e por que ela é importante?

 

Após 20 anos de trabalho nos Estados Unidos, a HIP se deu conta de que seu trabalho não estava completo. Percebemos que, para entender os doadores latinos da Carolina do Norte, por exemplo, precisávamos olhar para quem estava no México recebendo os recursos, pois o impacto local teria repercussões na migração. Quem eram essas pessoas? O que as levaria a deixar suas comunidades?  Por isso, a atuação da HIP passou a promover justiça social de forma transnacional em todo o continente latino-americano, realizando trabalhos regionais. A organização abriu um escritório no México em 2006 e já tem 17 anos no país.

Localmente, os desafios incluem envolver de maneira mais progressista a filantropia local na concessão de recursos, passando por um processo necessário de aprendizado. Além disso, precisamos entender que a filantropia é muito diferente no Brasil, na Colômbia e no México, enfrentando desafios específicos em cada contexto.

No Brasil, por exemplo, a equidade racial na filantropia está mais avançada em comparação com o México e a Colômbia, onde há menos diversidade entre as pessoas que gerenciam o capital. Já no México há a influência da igreja, com um foco assistencialista de apoio com doações de roupas e alimentos, atuando em emergências. Na Colômbia, a ligação com fundações corporativas está mais voltada para investimento de impacto, com uma grande lacuna na área da ciência, apesar do peso em artes e cultura.

Nossa missão, portanto, é fechar essas lacunas. Trabalhar com filantropia do Norte Global exige fazer avançar nossas pautas, mas também refletir sobre a narrativa que queremos desenvolver. Filantropia transnacional é uma mudança na forma de enxergar a atuação entre comunidades.

Por outro lado, entendemos que são necessárias duas ou três gerações para reconstruir uma comunidade. Portanto, o trabalho concentra-se em conectar latinos dos EUA com latinos locais, promovendo uma abordagem colaborativa e investindo no fortalecimento das comunidades. A filantropia transcende fronteiras, buscando não apenas investir financeiramente, mas também construir laços duradouros e sustentáveis para o desenvolvimento a longo prazo.

Todos têm o direito de migrar e buscar uma vida melhor. Algumas pessoas migram por privilégio, outras por necessidade. Trabalhamos para garantir direitos humanos para os mais vulneráveis e compartilhamos uma compreensão progressista dessas questões com nossa rede de doadores.

 

Como é a atuação da HIP na prática?

 

Nos últimos anos, temos nos destacado como uma poderosa entidade facilitadora, reunindo doadores, beneficiários e todo o sistema de suporte para comunidades de diversas nacionalidades, de brasileiros a haitianos. Temos a capacidade de unir as partes interessadas e fornecer apoio a comunidades vulneráveis.

A HIP tem uma abordagem única de combinar comunidades criando espaços de encontro dedicados aos direitos humanos. Esses encontros fomentam diálogos entre doadores e beneficiários e também promovem a compreensão dos desafios enfrentados por essas comunidades. Um exemplo é o trabalho realizado em Honduras, onde a HIP explora como as mudanças climáticas afetam os fluxos populacionais, levando ao deslocamento. O envolvimento de doadores que apoiam questões ambientais torna-se parte integrante do suporte, contribuindo para a resiliência e o fortalecimento dessas comunidades. Essa estratégia, portanto, cria uma correspondência eficaz entre os doadores e as necessidades locais. Em sintonia com essas iniciativas, a HIP aborda as causas fundamentais da migração, um tema central na atualidade.

 

Qual é sua perspectiva para o futuro?

 

Permanecemos otimistas quanto ao futuro da filantropia latino-americana, seguindo firmes em nossa atuação, enquanto observamos mudanças significativas no desejo de doadores locais de terem práticas de impacto e mais progressistas. Vamos continuar a proporcionar conexões e iniciativas importantes como as viagens de estudo, que permitem aos financiadores conhecerem organizações e participar de conversas horizontais para uma compreensão mais humana da filantropia. O sucesso da HIP está em sua profunda confiança e capacidade de conectar doadores com comunidades, movendo-se em espaços onde seu trabalho é respeitado e valorizado.

 

Gracia Goya

Gracia Goya é Vice-Presidente de Parcerias e Desenvolvimento da América Latina na Hispanics in Philanthropy (HIP), onde constrói pontes entre financiadores dos EUA, regionais e internacionais para promover a filantropia transnacional e a justiça social nas Américas.

Especialista em filantropia transnacional, Gracia tem vasta experiência com setores privados e corporativos em assuntos ambientais, políticas públicas e agências multinacionais. Com um profundo entendimento da filantropia e investimento de impacto na América Latina e nos EUA, Gracia avançou de gerente de programa a Vice-Presidente para a América Latina em seus quatorze anos na HIP. Em 2017, atuou como Presidente Interina da HIP e liderou a busca por um novo CEO e o planejamento estratégico da organização.

Comprometida com a justiça social e prosperidade compartilhada na América Latina, Gracia é membro fundadora da Auna, que apoia a liderança feminina na política. Sob sua liderança, a HIP América Latina expandiu seu trabalho em equidade de gênero, migração, deslocamento forçado e uso da tecnologia para democratizar a filantropia com o HIPGive.

Natural da Cidade do México, Gracia é engenheira química formada pela Universidade La Salle e possui pós-graduação no ITESM.



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