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Mobilizar recursos para imigrantes negros e LGBTQ+

O Black Migrant Power Fund pretende impulsionar iniciativas voltadas para contingente quase ignorado pela filantropia

Por Veronica Deviá

A crise migratória global, exacerbada pela instabilidade econômica e climática, força inúmeras pessoas a deixarem seus países de origem em busca de sobrevivência. No entanto, apesar do grande contingente de pessoas negras dentro desse total – em 2022, eram 4,3 milhões de pessoas –,  apenas 1,4% de todos os recursos filantrópicos destinados a justiça migratória nos Estados Unidos vão para organizações voltadas a imigrantes negros. Em resposta a esse dado, o Black Migrant Power Fund trabalha para mobilizar financiamento, mas também para atuar como uma ponte entre filantropia e as necessidades urgentes das comunidades negras, queer e trans, buscando transformar a realidade dessas populações e fortalecer seu poder a longo prazo. Ola Osaze conta, nesta entrevista, como o fundo nasceu e atua.

 

Como nasceu o Black Migrant Power Fund?

 

Iniciei meu trabalho com justiça social através da minha própria experiência como pessoa negra, queer e trans, mas também como alguém que viveu sem documentos nos Estados Unidos por vários anos. Por isso, a organização e o ativismo foram formas fundamentais de sobrevivência para mim, permitindo que eu me empoderasse e agisse para transformar realidades opressivas para pessoas como eu. Atuo há 20 anos em movimentos de justiça racial, migatória e LGBTQ+.

Entre 2016 e 2017, estive entre os membros criadores de uma organização chamada Black LGBTQ+ Migrant Project, ou BLMP, que é atualmente a única organização nacional com foco em imigrantes negros nos EUA – mas que também atua internacionalmente. Na direção da organização, comecei a aprender mais sobre filantropia e entender que, embora ela não vá necessariamente nos libertar, ela tem acesso e controle do capital que, por sua vez, deriva da exploração de pessoas negras e pardas. Esse mesmo capital é necessário para que as organizações e o movimento mudem sistemas e condições de vida. Portanto, à frente de uma organização, entendi e vivenciei as dificuldades para acessar recursos existentes, já que eles não se destinavam a financiar organizações de imigrantes negros com intersecções de gênero e sexualidade.

A mais recente crise envolvendo imigrantes negros na fronteira dos EUA ocorreu em setembro de 2021. Cerca de 13 mil haitianos e outros imigrantes negros foram detidos e sujeitos a atrocidades nas mãos da fiscalização da fronteira. Foi a gota d’água para mim e para vários outros ativistas. No ano seguinte, nós nos unimos para lançar o Black Migrant Power Fund em fevereiro, que é o mês da História Negra e dos Futuros Negros nos Estados Unidos

 

Como funciona o trabalho?

 

Somos uma iniciativa de financiamento liderada pela nossa comunidade para financiar organizações voltadas para imigrantes negros. O foco é intervir na filantropia destinada a agir substancialmente, não apenas quando uma crise já aconteceu.

Lançamos o fundo com o objetivo de arrecadar US$ 10 milhões. O comitê inicial para ajudar na arrecadação reuniu 13 organizações lideradas por imigrantes negros e destinadas a eles. No primeiro ano, 2022, conseguimos reunir cerca de US$ 4 milhões.

Acreditamos que não seja função da filantropia ditar como as organizações devam usar seus recursos e, para isso, queríamos praticar a concessão de subsídios baseados na confiança. Para nós, isso significa arrecadar os fundos e transferi-los sem barreiras, pois são organizações ou instituições com as quais as pessoas estão muito familiarizadas e conhecem. Não exigimos relatórios nem condições vinculadas aos subsídios. Os fundos também são irrestritos, para que as organizações possam usá-los como e onde acharem melhor. Para nós, era essencial fazer a concessão de subsídios dessa maneira e, no primeiro ano, US$ 1,3 milhão foram destinados dessa forma.

Estamos entrando em nosso terceiro ano de concessão de subsídios e teremos dois tipos de grants ao mesmo tempo. A primeira linha parte do entendimento de que há hoje um ataque contínuo às comunidades trans e não binárias, por meio de legislações estaduais em todo o país. Estamos fazendo uma leva especial de subsídios para comunidades de imigrantes negros trans. A outra linha de subsídios, mais abrangente, será destinada a organizações de imigrantes negros que mais precisam de recursos. Esperamos distribuir pelo menos mais US$1,3 milhão em subsídios neste ano.

Gostaria de relembrar que apenas 1,4% de todos os subsídios da filantropia para justiça migratória nos Estados Unidos vão para organizações para imigrantes negros. Essa é a realidade com a qual estamos lidando.

Soma-se a isso o fato de que Biden duplicou algumas das políticas anti-imigrantes de Trump e de presidentes anteriores. Imigrantes negros e de outras comunidades vivenciam muita violência e são impedidos de acessar ou de avançar pelas fronteiras.

Portanto, não é fácil para o Black Migrant Power Fund. Estamos tendo muitas conversas com financiadores que não entendem e que não querem ver a importância de apoiar o trabalho centrado em imigrantes negros, porque não consideram isso crítico. Ao mesmo tempo as instituições que financiamos estão organizadas, e isso é muito inspirador.

Na prática, como opera o Black Migrant Power Fund?

Trata-se de um fundo comunitário dedicado a direcionar recursos e financiamentos para organizações lideradas e voltadas para imigrantes negros, que os utilizam de forma irrestrita e sem condições pré-estabelecidas, segundo suas necessidades operacionais gerais. Nosso principal objetivo é aumentar o financiamento para este setor específico do movimento de justiça migratória e mobilizar um suporte financeiro mais significativo do setor filantrópico para essas comunidades.

Acreditamos firmemente na abordagem comunitária por várias razões. Primeiro, a comunidade mais impactada deve ter papel ativo nas decisões sobre como os financiamentos e recursos são distribuídos, empregados e utilizados. Nosso comitê diretor, composto por 13 organizações de imigrantes negros, é formado por pessoas que há muitos anos vêm trabalhando nessas questões em suas comunidades, espalhadas por todo o país. Algumas dessas organizações atuam em nível nacional, outras regionalmente e algumas localmente.

Essas organizações se dedicam a organização e advocacy, e, além disso, estão enfrentando o desafio de apoiar o grande fluxo de imigrantes negros. Elas oferecem desde serviços essenciais de sobrevivência até moradia, suporte legal para obtenção de documentos, alimentação e acesso a cuidados de saúde. Contudo, essas organizações precisam ir além do advocacy político e do atendimento de necessidades básicas. Nosso objetivo é apoiar realmente os imigrantes negros, fortalecendo a construção de autoridade nessas comunidades e, em última instância, reforçando o movimento de justiça migratória.

Na prática, temos um comitê gestor composto por organizações que tomam decisões sobre o fundo. Eles definem a estratégia de concessão, a alocação de recursos e o processo de concessão. É, portanto, uma iniciativa de financiamento fortemente liderada pela comunidade.

Como conselheiro principal, ao lado de outros conselheiros, é apoiar o comitê gestor a concretizar a visão e a missão da entidade. Parte do meu trabalho envolve a captação de recursos e o engajamento necessário para arrecadar fundos, o que faço em parceria com o comitê gestor.

Essa parceria se manifesta de várias maneiras. Membros do comitê falam em conferências de financiadores. Além disso, realizamos reuniões conjuntas e redigimos propostas. Para resumir, meu papel é ajudar o comitê gestor no progresso de seu trabalho.

Temos também o subcomitê de concessão, que propõe e recomenda a estratégia de grants, elabora propostas e as apresenta ao comitê amplo, no qual as decisões são tomadas.

O comitê gestor é o órgão decisório e é composto por organizações do movimento, como African Communities Together e Black Alliance for Just Immigration.

A participação dos financiadores também é central, pois representa a oportunidade de comunidades de imigrantes negros assumirem o controle da narrativa. É essencial que possamos contar nossas próprias histórias e transmitir à sociedade e à filantropia o que realmente está acontecendo e por quê e que medidas estamos tomando, em vez de deixar que outros façam isso por nós.

Para o Black Migrant Power Fund, é fundamental atuar como um canal entre os setores filantrópicos e nossas comunidades, transmitindo nossas necessidades, como elas podem ser atendidas e  como financiar o setor de imigrantes negros de forma que, a longo prazo, ele construa sua autonomia. O Black Migrant Power Fund ajuda a criar consciência acerca dessas questões dentro da filantropia, ao mesmo tempo que promove um financiamento substancial para essas comunidades.

 

Como você define a importância do trabalho do fundo?

 

O legado da colonização e da escravidão ainda impacta profundamente os países de maioria negra, resultando em instabilidade econômica e política e agravando a crise climática. Esse contexto força muitas pessoas a migrar em busca de sobrevivência, mas não as livra de enfrentar leis rígidas de imigração e xenofobia nos países aonde chegam. Nesse contexto, comunidades negras, queer, trans e indígenas são especialmente prejudicadas.

Diante disso, é urgente a necessidade de aliviar essas condições e construir políticas e ações de longo prazo para as pessoas negras e imigrantes. As comunidades que elas constituem estão organizando uma resistência viva e atuante, mas a maior parte da filantropia voltada para movimentos de justiça social não olha para elas.

O Black Migrant Power Fund busca preencher essa lacuna, obtendo recursos substanciais, sustentáveis e flexíveis para apoiá-las e fortalecê-las. Além disso, nosso trabalho envolve conscientizar o setor filantrópico sobre os imigrantes negros, transformando suas práticas de financiamento de forma consistente e eficaz. Como fundo, atuamos como uma ponte entre a filantropia e os imigrantes negros, engajando-os em respostas adequadas e comunicação pela justiça migratória.

Ola Osaze

Cofundador e consultor principal do Black Migrant Power Fund, Ola Osaze atua também como estrategista do Trans Justice Funding Project. De origem nigeriana e tendo ele próprio um passado de imigrante ilegal, Osaze tornou-se líder de movimentos por justiça social. Sua trajetória de décadas se volta para organização e construção de movimentos e captação de recursos em nome das comunidades LGBTQ+, não brancos e migrantes. Foi diretor fundador do Black LGBTQ+ Migrant Project e um dos fundadores do Black Migrant Power Fund. Sua atividade como organizador de recursos e captador de fundos se centra em iniciativas voltadas para uma perspectiva libertadora negra, queer e trans.



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