Livrarias como centros cívicos
Por Kathy O. Brozek
Para a indústria do livro, as duas últimas décadas foram uma montanha-russa. O surgimento de superlojas como a Borders e Waldenbooks varreu o cenário do varejo no fim dos anos 1980 e início dos 1990 nos Estados Unidos. Símbolos de resistência, as livrarias independentes garantiam serviços personalizados e eventos locais. Em meados da década de 1990, porém, viram seu espaço concorrer com as livrarias on-line. Atualmente a Amazon vende cerca de 50% de todos os livros impressos no país e os e-books compreendem 11% do total de livros vendidos.
Apesar desse tumulto, as livrarias independentes provaram ser resilientes, ao passo que a maioria das superlojas fechou desde então. De modo surpreendente, uma massa crítica de donos de livrarias independentes acreditou que os desafios de diminuição de margens e as compras online não eram intransponíveis, e seus esforços, disseminados como estavam, mantiveram o setor vivo. Na verdade, o número de lojas foi de 1.650 em 2009 para 2.500 em 2022, de acordo com a Publishers Weekly.
Livreiros, escritores e editores têm investido no crescimento contínuo das lojas independentes como centros comunitários culturais. Um pequeno grupo de apoiadores trabalhou em prol de seu comprometimento com elas e organizou uma conferência digital de dois dias em outubro de 2021, chamada Reimagining Bookstores (Reimaginando Livrarias, em tradução livre). Esse evento, que contou com a experiência de Sandra Janoff, cofundadora da Future Search Network, ajudou a conectar a visão do movimento com o público. Mais de 600 participantes se inscreveram e 350 compareceram. Os organizadores esperavam 200.
“Reimagining Bookstores é um movimento para fortalecer as comunidades, aprofundar o conhecimento e remunerar salários dignos”, afirma Praveen Madan, coorganizador da conferência e CEO da Kepler’s Books em Menlo Park, na Califórnia.
A conferência ocorreu em formato digital aberto, no qual os participantes sugeriram assuntos diversos e se organizaram em grupos de discussão. Alguns deles continuaram se reunindo com regularidade pelo Zoom.
“Encontrar-se mensalmente com os donos de livrarias da conferência para discutir as melhores práticas de marketing foi um grande benefício”, diz Brad Jones, coproprietário da BookSmart. “Obter conhecimento de proprietários de cooperativas de livrarias, uma estrutura que estamos considerando, ajudou-nos a refletir sobre nosso futuro.”
Como a maioria dos movimentos sociais, a estrutura organizacional é fluida. “Por enquanto, estamos mantendo o projeto descentralizado, com núcleos de atividades”, explica o coorganizador, escritor e editor Paul Wright. “Ainda estamos entendendo o que significa ser um movimento, em termos de estrutura e como sistema dinâmico com muitas partes móveis.”
O financiamento para projetos provém de diversas fontes. O braço filantrópico do Emerson Collective atualmente trabalha com um portfólio de 12 livrarias independentes – a primeira das três fases de sua agenda para livrarias –, que será expandido para 24 ainda em 2023. As selecionadas representam três tipos de negócio: locais sem livrarias, livreiros sub-representados e modelos inovadores. Essas lojas vão receber um auxílio plurianual e serviços de capacitação, além de acesso a sessões online para orientação em grupo. E o defensor de livrarias e investidor de impacto John Valpey está dando consultoria financeira e operacional pro bono e oferecendo empréstimos com juros reduzidos – ou sem juros – em termos flexíveis para sete livrarias independentes localizadas na região da Nova Inglaterra.
Promotores de livrarias como Valpey estão disponibilizando tempo e conhecimento para novas iniciativas. Por exemplo, o projeto Community Conversation (Conversa da Comunidade, em tradução livre) promove o discurso cívico e fortalece a comunidade por meio do diálogo entre os participantes. A coorganizadora e autora Peggy Holman liderou um evento com a jornalista Mónica Guzmán e 150 pessoas sobre como superar a divisão partidária.
Em 2023, avançam inicitivas como a Beyond Books (Além dos Livros, em tradução livre), um projeto comunitário que visa à realização de mudanças sociais positivas inspirado por três indivíduos – um editor, um autor/editor e o dono de uma livraria – que se conheceram na conferência. E, ainda em fase de concepção, um grupo de 10 a 15 livrarias independentes organiza uma série de eventos, mostras e outras experiências em torno de temas socialmente relevantes e adaptados a suas respectivas comunidades. Além disso, dois workshops estão previstos para este ano sobre como pagar salários dignos a funcionários de livrarias independentes.
“Estamos apoiando as livrarias com novas formas de engajar suas comunidades, acessar financiamento e adotar novos modelos de negócios”, revela Madan. Ele enfatiza, porém, que as livrarias independentes “precisam [ter] uma visão mais ampla, e não apenas ser um canal para as editoras”.
Novas iniciativas vão continuar a surgir organicamente, incluindo um futuro hub centralizado por meio do qual as próprias livrarias vão gerenciar sua participação. E, dado o sucesso da conferência, uma segunda está planejada para 2023. “Os movimentos começam quando uma crise é nomeada de uma forma que toca um acorde”, observa Holman, porque quando “as pessoas são atraídas por significado, intenção, propósito… ao longo do caminho, elas encontram almas gêmeas”.