Ato de doar tem tudo para ser valor nacional
O Dia de Doar brasileiro é a segunda maior campanha de Giving Tuesday do mundo e tem potencial para crescer
Joana Ribeiro Mortari e Carolina Farias
No Brasil temos inúmeros desafios socioambientais e, de outro lado, riqueza interna suficiente para lidar com eles, ainda que concentrada. Entre os desafios e os recursos, há um vasto campo com quase 880 mil organizações sociais e de promoção da filantropia, serviços de mobilização de recursos, consultores especializados e diretrizes para a promoção da cultura de doação, elaboradas por integrantes do Movimento por uma Cultura de Doação.
Do ponto de vista da inclinação para a doação, o povo brasileiro tem as características certas: empatia, solidariedade e compaixão. Em outras palavras, o brasileiro se envolve e se importa. A pesquisa Doação Brasil indica que o cidadão brasileiro doa em média R$ 300 por ano. Se considerarmos a população economicamente ativa e sugerirmos conservadoramente a mesma mediana apontada pela pesquisa, temos um potencial de R$ 28 bilhões; no entanto, segundo dados do mesmo levantamento, doamos menos da metade disso, R$ 12,8 bilhões.
Ou seja, diferentemente de muitos outros países, o Brasil não só tem necessidade interna como também tem um enorme potencial doador e executor. O verdadeiro desafio é, então, o de construir entendimentos coletivos e desconstruir barreiras para que os recursos cheguem aonde são necessários, financiando causas e fortalecendo a sociedade civil e, em última instância, a democracia brasileira.
Uma das barreiras identificadas para que o potencial doador seja alcançado no país é a falta de consciência sobre a capacidade individual de fazer a diferença – o entendimento de quão importante pode ser a sua doação. Doar é algo para fazermos agora, dentro das nossas possibilidades financeiras, e não uma ação para alguém mais rico ou mais velho do que nós.
Foi pensando em tudo isso que uma das primeiras ideias do Movimento por uma Cultura de Doação foi promover uma campanha nacional incentivando as pessoas a doarem. Assim, em 2013, nos juntamos ao movimento mundial Giving Tuesday, que por aqui chamamos de Dia de Doar e é liderado pela Associação Brasileira de Captadores de Recursos. Fomos o quinto dentre os mais de cem países que hoje fazem parte da iniciativa e somos a maior campanha fora dos Estados Unidos.
Crescimento expressivo
Ao longo de dez anos, o Dia de Doar consolidou-se como um momento de celebração para organizações do terceiro setor em todo o Brasil. Embora os números não sejam a principal métrica do impacto da ação, dado seu caráter livre e descentralizado, eles ajudam a demonstrar o crescente engajamento da sociedade civil. Entre 2016 e 2023, o Dia de Doar apresentou um crescimento expressivo em diversos indicadores. O valor total de doações online transacionadas nas 24 horas do dia passou de R$ 588 mil em 2016 para mais de R$ 5,8 milhões em 2023.
Nas redes sociais, o alcance também aumentou significativamente, saindo de cerca de 9,5 milhões de pessoas alcançadas em 2016 para mais de 26,6 milhões em 2023. Campanhas lideradas por influenciadores também contribuíram para o crescimento, trazendo mais de 13,2 milhões de visualizações somente em 2023.
No mesmo ano, o movimento registrou a adesão de novas cidades e organizações. Foram mapeadas 92 campanhas comunitárias em diferentes estados – eram 6 em 2016. Esses números ilustram não apenas o crescimento do Dia de Doar, mas também sua capacidade de alcançar as mais diversas regiões brasileiras.
Entre os avanços está a aprovação de leis que oficializam a celebração da data, com mais de 50 cidades e estados brasileiros assumindo o compromisso de promover o ato de doar. Esse reconhecimento formal possibilita uma maior colaboração intersetorial para engajamento da população na construção de uma sociedade mais participativa por meio da doação.
A capilaridade da iniciativa tem sido essencial para conectar os desafios locais à possibilidade de financiamento por doação dentro de seus próprios territórios. Nesse contexto, o Dia de Doar colabora para conscientizar a população sobre a atuação e a essencialidade das organizações sociais. Sua importância é também reconhecida pelo filme Doar, documentário de Sérgio Rizzo idealizado por Joana Ribeiro Mortari, que abre caminho para uma reflexão profunda e que será lançado no próprio Dia de Doar deste ano, em 3 de dezembro.
Para os próximos anos, queremos manter a atenção dada às campanhas comunitárias e ampliar os esforços direcionados a indivíduos. Doar tem que ser assunto nas casas das pessoas, em escolas e universidades, em empresas de todos os tipos e tamanhos. Ser, como em outros lugares do mundo, um valor nacional.
Parte desse esforço é desbancar mitos que acabam por se transformar em barreiras de desinformação à construção de uma nação mais doadora. Uma década depois, com mais dados sobre o setor e uma compreensão maior sobre os desafios, o Dia de Doar, por seu volume e sua amplitude, tem potencial para carregar narrativas engajadoras sobre a importância da doação. É nessa direção que vamos seguir.
AS AUTORAS
Joana Ribeiro Mortari é cocriadora do Movimento por uma Cultura de Doação e da Philó | Práticas Filantrópicas e idealizadora do filme Doar.
Carolina Farias é líder do Dia de Doar no Brasil e mestranda em comunicação digital e cultura de dados na Fundação Getulio Vargas.