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Construção circular

Uma equipe multinacional está reciclando concreto e tijolos usados para novos edifícios na República Tcheca

Por Paul Hockenos

Elementos do complexo da Fábrica de Açúcar em Praga foram construídos com Rebetong, ou “concreto verde” (Foto cortesia da Skanska)

Ao longo da margem lamacenta do rio Vltava, nos arredores de Praga, três novos edifícios residenciais guardam o que pode vir a ser um novo estágio da arquitetura sustentável. Suas paredes, alicerces, fachadas e pavimentos empregam um material híbrido de qualidade industrial feito a partir da reciclagem de entulho de concreto e alvenaria. O material foi patenteado em 2019 como Rebetong pela Skanska, multinacional da construção que o desenvolveu com a ajuda da União Europeia e de outros parceiros – mas tem sido chamado pela empresa e pelos arquitetos locais de “concreto verde”.

O entulho utilizado nesse caso veio das ruínas de uma usina de açúcar do início do século 20 que antes ocupava o terreno. O complexo de edifícios, batizado de Sugar Factory, em alusão a esse uso anterior, foi projetado pelo estúdio de arquitetura CHYBIK + KRISTOF, com sede em Praga e em Londres.

O projeto total prevê sete prédios com um total de 790 apartamentos, além de um espaço para eventos, uma cervejaria e uma creche, segundo descreve Michal Kristof, fundador do escritório. Os novos edifícios vão usar uma porcentagem maior de Rebetong que os três primeiros. Todos terão painéis solares no teto e usarão água reciclada. Os primeiros moradores se mudam ainda neste ano.

O Circ-Boost, braço da União Europeia que financia pesquisa e inovação, tem US$ 8 milhões para promover soluções circulares ao longo de cadeias de valor da construção no continente. A iniciativa destinou cerca de US$ 400 mil para inovações construtivas aplicadas na Sugar Factory nos próximos quatro anos. Ao lado de outros quatro projetos-piloto do Circ-Boost, a Sugar Factory será um mostruário de novas soluções circulares para construção de edifícios residenciais, processamento de entulho e redução de emissões.

“Nossa intenção é demonstrar o uso de uma nova tecnologia no ambiente real”, diz Albert de la Fuente Antequera, engenheiro civil da Universidade Politécnica da Catalunha e líder de projeto do Circ-Boost.

O interesse em mirar a sustentabilidade na indústria da construção tem a ver com a impressionante contribuição do setor em termos de emissões de gases de efeito estufa e de consumo de recursos naturais. Só o concreto gera 9% de todas as emissões de CO₂ geradas pelo homem. A indústria da construção é responsável por 40% das emissões globais e consome quase metade dos 50 milhões de toneladas de brita, cascalho e areia anualmente extraídos. Além do mais, a indústria da construção responde por 30% do lixo do planeta.

Para atingir seus objetivos climáticos e ambientais, todas as nações deveriam se debruçar sobre o setor, principalmente sabendo que “um número maior de construções vai surgir na Europa”, adverte José Mercado, da Dena (acrônimo para Agência Alemã de Energia), instituto que estuda a energia limpa. De fato, espera-se que o uso de matéria-prima no setor dobre nas duas próximas décadas.

Para Mercado, é extremamente importante a tendência do concreto sustentável e se assemelha a outros experimentos em que institutos de pesquisa, governos e União Europeia colaboram. As diversas parcerias da Sugar Factory mostram claramente como esse tipo de colaboração pode funcionar e dar resultados que agentes isolados ou mesmo cooperações menores não conseguiriam produzir.

 

Uma substituição durável

 

A reciclagem e reutilização de concreto e tijolos não é novidade, já tendo sido usada, por exemplo, para pavimentar rodovias. A questão é que esse concreto reciclado não tinha a mesma qualidade daquele obtido com materiais virgens, preferido na construção de edifícios, sendo menos durável e flexível. Seu tempo médio de vida era de 30 anos, metade do padrão, e, por ser mais suscetível a infiltrações, apresentava mais rachaduras.

Não é, porém, o caso do Rebetong, afirma Bohuslav Slánský, da Slanska. “Os testes revelaram que, mesmo com uma proporção de materiais reciclados de até 100%, a mistura final tem um desempenho similar ao do concreto convencional.”

À diferença de seus predecessores, o Rebetong contém um nanoaditivo criado pela extinta empresa tcheca ERC-TECH.

Em 2018, essa empresa entrou em contato com a Skanska para apresentar uma substância granulada fina que revelara, em testes, ter excelente capacidade de, misturada a cimento, aglutinar entulho reciclado formando um concreto de alta durabilidade. A Skanska adquiriu o nanoaditivo e o aperfeiçoou, contando com um apoio de 2 milhões de coroas tchecas (US$ 90 mil) do Ministério da Indústria da República Tcheca para isso.

A matriz da Skanska na Suécia anuncia o Rebetong como um produto que substitui 100% dos agregados naturais por concreto e/ou entulho reciclável. “Essa abordagem circular permite que novos edifícios sejam construídos de outros prédios que já encerraram seu ciclo de vida.” Em seu relatório de sustentabilidade de 2019, a Skanska também declara que a produção do Rebetong emite 12% a menos de carbono – sobretudo devido à redução nos custos de transporte – e apresenta maior retenção de calor, o que aumenta a eficiência energética do prédio.

Albert de la Fuente Antequera espera que o Rebetong logo se torne um concreto plenamente funcional, com 100% de material reciclável, que possa ser produzido a baixo custo com o mesmo equipamento do concreto comum. Após os testes pelos laboratórios da Universidade Técnica de Praga (UTP), os projetistas do Circ-Boost pretendem repassar os dados para centenas de outras empresas de construção e desenvolvimento, tanto na Europa quanto em outras regiões. Esperam que essas empresas venham a adotar soluções circulares parecidas, em particular misturas de concreto à base de materiais recicláveis, como o Rebetong.

 

Chegando a 100%

 

O Rebetong usado nos projetos tchecos, contudo, ainda não é totalmente circular. Ele existe hoje em diferentes graus, e as misturas com menor quantidade de material reciclado podem ser empregadas mais amplamente que em elementos construtivos que requeiram maior elasticidade. O Rebetong usado nas primeiras estruturas da Sugar Factory continha de 25% a 50% de materiais recicláveis. Nos laboratórios da UTP, graus maiores alcançaram resultados positivos. Neste ano, a Sugar Factory empregará Rebetong contendo de 50% a 75% de agregado reciclável.

Embora os resultados do Rebetong no local tenham sido semelhantes aos do concreto comum, a Skanska constatou que, no frio, ele endurecia mais lentamente que o padrão, o que atrasou a obra no inverno do ano passado. Isso levou a Skanska a alterar a composição para chegar a uma mistura que endurece com a mesma rapidez que o concreto convencional.

Outro desafio é a escassez de entulho de alta qualidade para a fabricação do Rebetong. Os restos de demolição que muitas vezes vão parar em aterros têm pouco valor de reciclagem. Por exemplo, devido ao mau estado dos velhos tijolos da usina de açúcar, apenas uma porcentagem mínima deles pôde ser incorporada ao Rebetong usado no complexo habitacional.

Para que a produção de “concreto verde” – e a construção circular em geral – funcione, as demolições precisam seguir certos procedimentos, como a separação meticulosa de lixo segundo seu tipo e o posterior envio aos centros de reciclagem ou aos compradores comerciais, nunca aos aterros.

As próprias demolições devem ser realizadas de maneira muito diferente de como ocorrem hoje, a fim de possibilitar a coleta de entulho aproveitável. É fundamental que haja mais centros de reciclagem e comércio de materiais de construção usados, a fim de implantar a visão de uma economia circular na Europa, afirma José Mercado.

 

O grande empecilho é convencer as pessoas do ramo a pensar na construção de um modo totalmente diferente

 

 

A despeito de suas qualidades inovadoras, o Rebetong sem dúvida enfrentará ceticismo do mercado de materiais de construção. “As emissões da indústria de construção e o uso indiscriminado de recursos são tão óbvios que qualquer passo dado em direção à sustentabilidade pode resultar em ganhos significativos”, explica Mercado. Na Europa, acrescenta ele, o setor de construção está aderindo à economia circular muito lentamente, embora seja uma preocupação básica nos planos de proteção climática da União Europeia.

Segundo ele, um dos maiores obstáculos reside no fato de a indústria da construção ser notoriamente conservadora e apegar-se ao conhecido. “O grande empecilho é convencer as pessoas do ramo a pensar na construção de um modo totalmente diferente”, afirma.

O próximo passo da Skanska será aumentar a quantidade de concreto reciclado no Rebetong e concluir o projeto Sugar Factory, para depois iniciar outros projetos de construção na República Tcheca. A empresa pretende fazer novos experimentos com misturas de cimento alternativas, visando diminuir ainda mais a presença de carbono no concreto.

A equipe de Albert de la Fuente Antequera vem acompanhando tudo de perto, confiante em que o reaproveitamento de concreto haverá de transformar para melhor o setor de construção global. Centenas de construtoras internacionais estão aguardando os resultados do Circ-Boost.

O AUTOR

Paul Hockenos é um escritor residente em Berlim que cobre os temas da energia e do clima. É autor de cinco livros sobre empresas europeias.



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