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Trabalho digno para quenianos com deficiência

A empresa social Riziki Source promove o desenvolvimento profissional numa das comunidades mais desfavorecidas do Quênia

Por Charles Wachira

Stella Muigai usou o banco de dados de empregos da Riziki Source para conseguir sua posição atual como assistente pessoal do CEO de uma das maiores empresas de telemarketing do Quênia. (Foto cortesia da Riziki Source)

O queniano Fredrick Ouko sabe como é difícil para uma pessoa com deficiência (PCD) conseguir trabalho. Aos 2 anos, ele contraiu pólio, perdendo permanentemente os movimentos de ambas as pernas. Hoje empreendedor social – tendo sido reconhecido com uma bolsa da Ashoka em 2012, mesmo ano em que concluiu a graduação na Universidade de Nairóbi – ele se candidatou a incontáveis vagas de emprego assim que se formou. Tudo que conseguiu foi uma entrevista presencial em uma conceituada multinacional com sede na capital.

“Sentado na sala de espera, notei que os demais candidatos — nenhum deles com deficiência — eram chamados para entrevistas que duravam em média 20 minutos”, lembra ele. “A mim, infelizmente, foram concedidos somente cinco.” A disparidade o afetou profundamente. “Ficou claro para mim que o jogo não era justo.”

A taxa de emprego no Quênia é de 74% entre a população geral, mas de só 1% entre PCDs. Ao procurar trabalho, essa população enfrenta o preconceito, o estigma cultural e outros obstáculos, que vão da inacessibilidade de prédios e escritórios até atitudes capacitistas que menosprezam suas qualificações. Apesar de claras evidências de que PCDs são tão produtivos e confiáveis quanto outros trabalhadores – como apontou, por exemplo, um estudo realizado em 2020 pelo Instituto de Pesquisa e Análise de Políticas Públicas do Quênia –, esses vieses persistem no país.

Ouko já havia fundado, em 2010, a Action Network for the Disabled, organização sem fins lucrativos cuja missão é a inclusão social de PCDs. Mas sua dificuldade pessoal para conseguir emprego o motivou a criar, em 2015, a Riziki Source, empresa social com sede em Nairóbi, que trabalha para ajudar quenianos com deficiência a conseguir oportunidades de emprego, trabalho permanente e a empreender Riziki, palavra que significa “sustento” em suaíli, idioma oficial do Quênia, representa também o objetivo de Ouko de construir caminhos para que PCDs possam prosperar tanto no mercado de trabalho quanto em suas vidas.

Os programas da Riziki Source se voltam para a educação e o desenvolvimento de habilidades das PCDs. “Trabalhamos para desenvolver treinamentos em soft skills essenciais, como a comunicação, o trabalho em equipe, a liderança e a autodefesa”, explica Hassan Oyugi, diretor de desenvolvimento de negócios da empresa. “Enfatizamos essas habilidades valiosas para tornar nossos candidatos mais atraentes aos empregadores.”

Somente no primeiro semestre de 2023, a Riziki Source capacitou 437 PCDs, ajudou 17 a conseguir trabalho remunerado e treinou 38 empregadores para inclusão no local de trabalho. Desde sua fundação, a empresa ajudou 850 PCDs a encontrar emprego e ofereceu treinamento a centenas de outras.

 

Empoderamento profissional

 

A necessidade pública que a Riziki Source procura atender é crítica. Um a cada dois quenianos com deficiência — cerca de 500 mil pessoas — vive na pobreza por falta de oportunidade de trabalho, estabilidade no emprego e benefícios laborais. Por sua vez, maiores níveis de pobreza estão relacionados a piores resultados em saúde, como relatou o Banco Mundial no ano passado. Em 2020, o Comprehensive Poverty Report, relatório sobre pobreza do Escritório Nacional de Estatística do Quênia, apontou que a deficiência é um importante indicador de pobreza multidimensional — que atinge desde a saúde e a habitação até a educação e o saneamento básico —, em qualquer faixa etária. Jovens com deficiência, por exemplo, têm quase 15% mais probabilidade de viver em situação de pobreza multidimensional do que seus semelhantes sem deficiência. Apenas 10% das crianças com deficiência no país frequentam a escola, portanto, alcançar o bem-estar é um enorme desafio para a comunidade de PCDs.

Em resposta a essas graves estatísticas, o Quênia aprovou diversas leis destinadas a eliminar barreiras sociais e econômicas às pessoas com deficiência. Na década de 1990 e no início dos anos 2000, o governo criou organizações como o Conselho Nacional para Pessoas com Deficiência (NCPD) e o Fundo Nacional Queniano para Pessoas com Deficiência, com o intuito promover a integração social desse grupo. Essas organizações, no entanto, enfrentam dificuldades em realizar as mudanças sistêmicas e culturais necessárias para auxiliar a população com deficiência, em parte devido a acusações de desvio de fundos e alocação ineficiente de recursos. Legislações como o Projeto de Lei para Pessoas com Deficiência, de 2020, prometiam destinar 5% de todos os empregos nos setores público e privado a pessoas com deficiência, mas a meta ainda é inatingível, pois a nação não possui a infraestrutura necessária para acomodá-las no local de trabalho.

A Riziki Source preencheu a lacuna deixada pelas empresas, que ignoraram o problema, e pelo governo, cujas iniciativas mostraram-se insuficientes. Sua estratégia consiste em quatro iniciativas pensadas para empoderar PCDs em diferentes etapas de seu desenvolvimento profissional.

O principal projeto da empresa é o aplicativo criado e lançado em 2020, que conecta PCDs que buscam trabalho a empregadores por meio de um banco de dados de vagas. O cadastro no app Riziki Source é gratuito, e tampouco há taxas para que os usuários acessem as oportunidades de emprego disponíveis. Em seus perfis, os candidatos podem incluir sua deficiência, suas qualificações, habilidades e sua localização. Essas informações são usadas para verificar a compatibilidade entre os candidatos e empregadores em potencial. Quando estes se interessam por algum perfil, entram em contato com a Riziki Source, que gerencia o processo de entrevista e contratação. Além do banco de dados, a plataforma oferece treinamento para empregadores que buscam desenvolver práticas inclusivas e adaptar sua cultura empresarial para acomodar colaboradores com deficiência.

Ainda em 2020, foi inaugurada a Riziki Shop, uma plataforma que permite a quenianos com deficiência vender produtos e serviços diretamente ao consumidor. Inicialmente, a plataforma funcionava em regime presencial no escritório da Riziki Source em Nairóbi, mas, após a implantação de medidas de isolamento social decorrentes da pandemia de covid-19, migrou para o meio virtual.

Em 2021, a Riziki Source criou o Tuchape Kazi, programa de aceleração do emprego para jovens. O nome significa “vamos trabalhar” em suaíli. Por meio da iniciativa, a equipe oferece mentoria e consultoria gratuitas a jovens com deficiência. No ano seguinte, a empresa abriu uma consultoria para promover a inclusão de PCDs no local de trabalho. A equipe fornece treinamento em boas práticas, políticas e estruturas jurídicas relacionadas aos direitos dessas pessoas, com a missão de criar culturas empresariais acolhedoras.

 

Incentivo financeiro à expansão

 

Para lançar a Riziki Source, Ouko usou economias próprias de 215 mil xelins quenianos (US$ 1.500). A organização recebeu impulso financeiro na forma de bolsas e prêmios em dinheiro, incluindo uma bolsa de US$ 20.000 concedida pelo NCPD em 2018. No ano anterior, a Riziki Source havia sido indicada ao Prêmio Africano de Engenharia de Inovação, patrocinado pela Academia Real de Engenharia. A premiação proporcionou à equipe treinamento em criação de propostas de captação de recursos e de planos de negócios para a expansão da empresa.

Durante a pandemia de covid-19, a Riziki Source redirecionou suas operações e objetivos de captação de recursos para atender às necessidades impostas pelo trabalho remoto. Uma bolsa do NCPD no valor de 2,2 milhões de xelins quenianos (US$ 15.000) ajudou a manter a empresa naquele período, recorda Ouko, e a pagar os salários dos 26 funcionários. Parte da bolsa foi empregada em serviços de suporte em saúde mental aos colaboradores e a usuários do banco de dados. “Esses serviços foram essenciais num período em que a incerteza gerou muito estresse e ansiedade”, observa Oyugi.

A Fundação Mastercard concedeu à Riziki Source uma bolsa de inovação no valor de US$ 140.000 que, segundo Ouko, “mudou tudo”. O recurso permitiu expandir as atividades no país inteiro, diz ele.

Para Catherine Ndioo, que chefia a comunicação da Fundação Mastercard no Quênia, a história de Ouko é inspiradora por ser “a prova viva de que é possível superar desafios pessoais e alcançar a excelência”. O alto investimento, diz ela, reflete o sucesso da Riziki Source “como força motriz da transformação do cenário de emprego para indivíduos com deficiências”.

Ouko acredita que a empresa pode capitalizar seu sucesso para expandir seu alcance na África Oriental no ano que vem. Hoje com uma equipe ampliada de 34 colaboradores, a Riziki Source tem capacidade para crescer não só na região, mas também no continente, diz o fundador.

“Nos próximos cinco anos, nossa meta é nos estabelecermos como a principal autoridade do continente africano em se tratando de emprego para pessoas com deficiência”.

O AUTOR

Charles Wachira é escritor freelancer em Nairóbi e foi correspondente da Bloomberg LP para a África Oriental.



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