No fim de 2023, a organização sem fins lucrativos Buzz Women fez algo incomum: pediu doações à comunidade que atende.
“Dissemos àquelas mulheres que precisávamos da ajuda delas para tirar outras mulheres e suas famílias da pobreza”, diz Uthara Narayanan, cofundadora da Buzz Women. A organização, fundada em 2012 em Bangalore, na Índia, oferece capacitação financeira, de gestão e empreendedorismo para mulheres em situação de vulnerabilidade, para que alcancem a estabilidade financeira.
Narayanan pediu uma doação de 1 rupia por dia (US$ 0,012), ou 365 rupias por ano (US$ 4,27), para oferecer a outras mulheres o mesmo treinamento que a comunidade recebeu. Esse valor pode ser muito para pessoas cuja renda familiar mensal é de 15 mil rupias (US$ 175).
Após o pedido de Narayanan, Devamma, que concluiu o treinamento da Buzz Women em 2012, pegou um ônibus de sua cidade natal, Tumkur, até a sede da organização em Bangalore. Com orgulho, ela colocou uma caixa com 365 rupias sobre a mesa, para a surpresa dos funcionários. Graças ao curso da Buzz Women, Devamma conseguiu sair de anos de endividamento, abrir um negócio e economizar dinheiro. Agora, ela queria retribuir.
Desde sua criação, a Buzz Women Índia – a primeira das seis Buzz Women atualmente existentes, presentes também em Gâmbia, Geórgia, Ucrânia, Tanzânia e Quênia – já treinou mais de 700 mil mulheres em 12 distritos do estado de Karnataka. Ao longo de dois dias, as instrutoras ministram aulas sobre como poupar, fazer o negócio crescer e pagar e refinanciar empréstimos.
O aprendizado continua após o treinamento, graças a uma rede de voluntárias chamadas gelathis (“amigas” em canará, idioma local), que atuam como mentoras das novas participantes. Elas lideram grupos de aprendizagem entre pares, orientação financeira e ajuda mútua em momentos de dificuldade.
Hoje, 13 mil gelathis oferecem mentoria em vilarejos por todo o estado. Em 2023, Narayanan recorreu a essas gelathis em busca de fundos para criar um círculo de doação chamado Fundo Shakti.
Quando Narayanan propôs pela primeira vez a ideia do fundo, em 2019, enfrentou resistência e ceticismo por parte de sua equipe de 200 funcionários, do conselho da organização e até de algumas gelathis. Como seria possível pedir dinheiro a mulheres economicamente vulneráveis, justamente aquelas que a organização se propunha a ajudar?
“A oportunidade de retribuir pode ser muito potente para mulheres que sempre estiveram do lado que recebe a ajuda”, diz Narayanan. “Contribuir para ajudar outras pessoas lhes dá confiança para se tornarem líderes em suas comunidades e resolver seus problemas.”
Quando Devamma apareceu no escritório e fez a doação do valor anual, a equipe concordou em dar uma chance à iniciativa. No entanto, a organização não tinha a infraestrutura necessária para lançar um programa-piloto. Muitas das mulheres treinadas não possuíam conta bancária nem telefone, e lidavam com dinheiro em espécie. Coletar dinheiro delas envolvia riscos, como a possibilidade de assaltos a membros da equipe.
No entanto, durante a pandemia de covid-19, o governo indiano incentivou a população a abandonar a economia baseada em dinheiro em espécie e adotar um sistema digital. Muitas famílias abriram contas bancárias e obtiveram cartões de débito, tornando viável um sistema de pagamento digital. Assim, a equipe conseguiu implementar o programa-piloto do Fundo Shakti.
Em 2024, o fundo arrecadou 18 lakhs (US$ 20,7 mil), cerca de 1,5% da receita total da organização na Índia. O financiamento adicional, que totaliza uma receita anual de US$ 1,5 milhão, vem de doadores privados e subsídios de fundações e empresas como a Aditya Birla Capital Foundation, a Rainmatter Foundation e a Citi Foundation.
Ainda neste ano, a Buzz Women Índia planeja expandir o Fundo Shakti para todas as 700 mil mulheres que treinou. Narayanan espera alcançar a sustentabilidade financeira da instituição com a ajuda delas nos próximos cinco anos.“O verdadeiro crescimento acontece quando as pessoas começam a liderar suas próprias comunidades”, diz ela, acrescentando que o próximo passo é preparar as gelathis para que conduzam o treinamento em novas vilas, sem nenhuma intervenção da organização.









