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A reinvenção da imprensa negra

Por Likam Kyanzaire

Imprensa negra
Ilustração: iStock/Alyona Jitnaya

Depois do assassinato de George Floyd em 2020, Elinor Tatum, editora-chefe do New York Amsterdam News, o jornal negro mais antigo da cidade de Nova York, percebeu que era necessário adotar uma nova abordagem jornalística para a cobertura da violência e da discriminação generalizada sofrida pela comunidade negra. Tatum, terceira geração de jornalistas da família, queria que o jornalismo local produzido por negros fosse capaz de investigar injustiças sociais com mais rigor do que são investigadas pela imprensa tradicional.

Em uma época em que as redações começam a desaparecer, dados recentes do centro de pesquisa americano Pew Research mostram que há um aumento na preferência do público por fontes de notícias online, incluindo as mídias sociais, que são usadas por mais de 66% dos adultos para se informar.

No entanto, o jornalismo negro está perdendo terreno na transição digital. Mais que qualquer outro grupo racial dos Estados Unidos, os negros são os que mais optam por se informar fontes tradicionais, como estações de TV e jornais locais.

Tatum entrou em contato com negros donos de outras empresas de mídia para buscar uma forma de garantir que a imprensa negra pudesse sobreviver e crescer diante desse novo quadro. Em 2020, 10 importantes publicações negras — New York Amsterdam News, Atlanta Voice, Houston Defender, Washington Informer, Dallas Weekly, St. Louis American, Michigan Chronicle, Afro, Seattle Medium e Sacramento Observer — se uniram para lançar o Fundo para a Imprensa Negra, um programa que apoia financeiramente veículos operados por e de propriedade de negros.

O Fundo é administrado em parceria com a Local Media Foundation (LMF, na sigla em inglês), o fundo filantrópico da organização sem fins lucrativos Local Media Association que ajuda empresas de mídia a manter sua estabilidade financeira nesse cenário de mudanças rápidas. O fundo permitiu a criação colaborativa da Word In Black (ou Palavra Negra), a primeira redação coletiva do país que divulga notícias por, para e sobre a comunidade negra. A plataforma online de mesmo nome é administrada editorialmente pelos 10 editores do coletivo.

“Ainda há mais de 230 jornais cujos donos são negros no país”, observa o jornalista Nick Charles, ex-diretor-geral da Word In Black, e “o que a maioria precisa é de uma transição suave e eficiente para os produtos digitais”.

Conteúdo local é o método para essa transição. Isso é possível apoiando financeiramente o jornalismo local e depois publicando- o na plataforma Word In Black. Editorialmente, a colaboração determina quais são os assuntos de interesse para a comunidade negra naquele momento. O fundo fornece recursos para os editores negros locais inserirem essas notícias nas edições de suas localidades. Além disso, os editores da Word In Black reúnem histórias sobre temas específicos e depois criam um nova usando uma estrutura nacional para alinhar as várias perspectivas locais das publicações dos membros.

Mantido por doações filantrópicas e individuais, o fundo tem por meta captar US$ 25 milhões até 2023. No início de 2022, sete meses depois do início da campanha para levantar recursos no final de agosto de 2021, haviam sido arrecadados US$ 750 mil, incluindo doações da Chan Zuckerberg Initiative e da Walton Family Foundation. Uma doação de US$ 300 mil do Google cobriu os custos operacionais da plataforma.

O Google se comprometeu a aumentar a diversidade racial do setor de tecnologia. “É importante que a empresa continue a apoiar a imprensa contando histórias de grupos sub-representados”, comenta Chrissy Towle, chefe de parceria de notícias da Google.

O fundo contratou recentemente a jornalista Liz Dwyer para supervisionar a plataforma — um dos seis membros em tempo integral do quadro de funcionários que devem ser efetivados até 2023. Segundo Dwyer, as três metas para a plataforma são “criar uma infraestrutura que nos permita ser supereficientes, apoiar ainda mais o trabalho de nossos editores, e melhorar nossa capacidade de nos envolvermos com a comunidade Word In Black”; contratar o staff; e “garantir que o conteúdo que criamos mantenha a tradição de excelência e responsabilidade da comunidade que a imprensa negra teve desde o início”.

O futuro da plataforma depende de nossa capacidade de atrair os jovens pelas mídias sociais. Dwyer acredita que é oportuno acompanhar tanto as gerações de jovens negros que nasceram digitais como as pessoas mais velhas que utilizam praticamente só a mídia tradicional.

“Às vezes, as pessoas pensam que ao abraçar as mídias sociais estão abandonando as gerações mais velhas, mas para mim isso é uma situação ‘sim, e’, porque os jovens negros não estão desconectados de seus familiares mais idosos ou de seus antepassados”, explica Dwyer. “A imprensa negra tem essa vantagem porque nossas famílias são intergeracionais. Na hora do jantar, todos se reúnem e conversam sobre o que está acontecendo na comunidade e se conectam uns com os outros.”

Ao adotar uma abordagem do jornalismo negro baseada na comunidade e no convívio das gerações, o fundo espera conectar as comunidades negras e manter o legado do jornalismo negro.

A AUTORA

Likam Kyanzaire é escritora e se dedica a trabalho comunitário em Montreal



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