A implementação em larga escala da renda básica universal pode diminuir o bem-estar geral
Por Daniela Blei
A ideia da renda básica universal (RBU) é prover pagamentos regulares em dinheiro a todos os membros de uma comunidade, sem exigências ou contrapartidas. Nos Estados Unidos, Andrew Yang, candidato nas primárias presidenciais de 2020, fez da RBU a marca registrada de sua campanha. Houve uma enxurrada de comentários e análises, e os eleitores se indagavam se a RBU poderia reduzir a desigualdade econômica e trazer segurança a milhões de americanos que vivem em condições precárias e sob a ameaça da automação.
Entre os economistas que estudavam a RBU naquela época estavam Diego Daruich, professor de finanças e economia empresarial da Faculdade de Administração Marshall da Universidade do Sul da Califórnia, e uma de suas ex-orientadoras, Raquel Fernández, professora de economia da Universidade de Nova York. Havia evidências crescentes dos efeitos benéficos das transferências de dinheiro em curto prazo e em pequena escala, mas os pesquisadores perceberam que, para estudar a RBU em maior escala, com pagamentos mais duradouros ou mesmo perenes, seria necessário um modelo novo e dinâmico. De que forma os economistas poderiam identificar os efeitos macroeconômicos caso o governo americano distribuísse perpetuamente dinheiro a todos os seus cidadãos?
Os pesquisadores construíram um modelo de ciclo de vida levando em conta indivíduos de diferentes idades, os investimentos dos pais na educação de seus filhos, o quanto as pessoas trabalham e quanto economizam, a arrecadação de impostos, padrões de consumo e os efeitos da interação entre todos esses fatores. Após diversas simulações considerando uma RBU financiada por impostos sobre renda laboral que fornecesse US$ 8.000 por ano a cada adulto, com base em dados que acompanham os domicílios americanos ao longo do tempo e incorporando muitos dos custos e benefícios associados à RBU, os pesquisadores concluíram que a política reduziria o bem-estar social geral.
“Nossas conclusões foram opostas às demais e nos perguntamos por quê”, diz Daruich. “Começamos a alterar nosso modelo, ativando algumas funções e desativando outras. Percebemos que, quando a RBU é introduzida, é preciso aumentar os impostos para financiá-la; quando os impostos são altos, cai o retorno sobre os investimentos, levando a menor acúmulo de capital. Além disso, como os indivíduos sabem que sempre receberão dinheiro do governo, não precisam fazer reservas para eventualidades. Essas duas forças fazem com que haja menos capital na economia, o que, por sua vez, leva a uma redução nos salários. Se não há empresas e não há empregos, os salários caem.”
Menos capital também significa menor arrecadação de impostos de empresas, gerando a necessidade de aumentar outros tributos para cobrir os gastos com a RBU. “Todos esses efeitos dinâmicos e de longo prazo demoram para aparecer”, diz Daruich. Aumentos bruscos nos impostos, já foi demonstrado, influenciam as decisões dos pais em relação a investimentos em educação, por exemplo. Quando diminuem esses gastos, o resultado é uma menor disponibilidade de mão de obra qualificada na economia, o que implica perdas em bem-estar social.
Desde 2020, comentaristas nos Estados Unidos expressaram preocupação de que a RBU levaria a população a trabalhar menos. Para entender as mudanças comportamentais acarretadas pelas transferências de dinheiro, os pesquisadores analisaram estudos empíricos que acompanham trabalho e hábitos financeiros entre ganhadores da loteria. Uma análise, por exemplo, registrou uma queda na renda laboral média anual nos cinco anos após o recebimento do prêmio. Os pesquisadores aplicaram seu modelo de ciclo de vida para testar respostas do mercado de trabalho aos prêmios e descobriram que ganhos financeiros inesperados levam a uma diminuição da renda laboral e a uma queda na disponibilidade geral de mão de obra.
Os achados, porém, não invalidam impostos progressivos, frisa Daruich. Mas há evidências de que a RBU não é a melhor maneira para reduzir a desigualdade. Transferências para financiar educação de alta qualidade na primeira infância, por exemplo, ou mesmo a distribuição de dinheiro de forma mais direcionada têm probabilidade de eficácia muito mais alta que a RBU.
“Esse excelente artigo analisa os efeitos dos programas de RBU concentrando-se nos efeitos dinâmicos da formação de habilidades entre diferentes gerações”, diz Gustavo Ventura, professor de economia da Universidade Estadual do Arizona. “Ele complementa trabalhos recentes que demonstram que, em cenários macroeconômicos, de modo geral, a RBU é uma má ideia.”
“Universal Basic Income: A Dynamic Assessment”, por Dario Daruich e Raquel Fernández, American Economic Review, vol. 114, no. 1, 2024.
A AUTORA
Daniela Blei é historiadora, escritora e editora de livros acadêmicos. Sua produção pode ser encontrada em daniela-blei.com/writing. Ela tuíta esporadicamente em @tothelastpage
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