Ao receber a oportunidade de participar da COP30 em Belém, me fiz a mesma pergunta que em 2009, quando cogitei ir à COP15 em Copenhague: o que afinal faremos lá, já que as COPs são espaços de negociação entre governos? Se há 21 anos a resposta parecia ser apenas “fazer barulho”, hoje compreendo que aquele barulho, as manifestações e a ocupação dos espaços movem montanhas que as negociações diplomáticas não conseguem mover. Belém reafirmou isso.
Participar da COP30 foi uma experiência marcante e de muitos aprendizados. A população nos recebeu de braços abertos, a cidade estava pulsante, e os dias foram marcados por agenda intensa e uma programação paralela para todos os gostos: da Cúpula dos Povos e dos movimentos sociais às casas temáticas voltadas ao engajamento de grandes corporações. A Barqueata e a Marcha pelo Clima foram grandiosas e muito celebradas, já que nos últimos dois anos as COPs aconteceram em países autoritários, onde manifestações são proibidas. O engajamento da população local também chamou a atenção. A Green Zone, espaço da programação oficial que é aberto a todos, estava lotada de famílias circulando pelos estandes, ouvindo palestras e querendo ver de perto o que estava sendo discutido ali. A cidade respirava clima, literalmente.
Acompanhar as salas de negociação na Blue Zone, espaço restrito onde acontecem reuniões entre representantes de governos para discutir pautas como financiamento, adaptação, mitigação e tantos outros temas que avançam (ou não) ano a ano, foi um privilégio. Assistir de perto como, durante duas semanas, negociadores se distribuem por dezenas de salas, debatendo palavra por palavra textos altamente técnicos, buscando conciliar interesses políticos e econômicos de seus países, foi revelador.
Interessante e ao mesmo tempo frustrante, num cenário geopolítico desfavorável. Sabemos que os resultados das últimas COPs ficaram aquém das expectativas. Em Belém, ainda que no início o otimismo estivesse no ar e a palavra “Mutirão” fosse vocalizada pelos mais variados sotaques, algo inesperado aconteceu com a chegada do presidente Lula: o anúncio do “mapa do caminho” para a transição dos combustíveis fósseis. O que parecia tão distante aconteceu diante dos nossos olhos. Infelizmente, com o desenrolar das negociações, os textos finais não mencionaram esse roadmap. Mesmo sem vitória textual, o debate entrou no centro da Conferência e tudo indica que terá atenção especial a partir de agora. Já era hora de encarar de frente o maior causador das mudanças climáticas.
Se o texto sobre combustíveis fósseis recuou, a COP avançou onde historicamente falhou: justiça climática. Pela primeira vez, afrodescendentes entraram nos textos oficiais da UNFCCC, conquista celebrada por organizações como Geledés, que tiveram papel decisivo nessa incidência política. Além disso, a participação indígena foi a maior da história. Realizar a COP no coração da Amazônia não foi apenas simbólico, foi profundamente político.
Ainda que as negociações não respondam com agilidade às maiores urgências da nossa geração, as COPs seguem sendo um espaço multilateral que oferece direcionamento, linguagem comum e marcos negociados. Neste ano ficou evidente que a implementação real acontece nos territórios, com organizações da sociedade civil, academia, filantropia, setor privado e público em níveis nacionais e subnacionais. Em Belém, diversas iniciativas concretas apresentaram caminhos viáveis e ágeis para enfrentar desafios climáticos onde os textos e metas negociados não chegam. A seguir, destaco algumas experiências que ilustram como impulsionar avanços urgentes e influenciar futuras negociações, ao conectar ciência, economia e justiça, reforçando a importância de melhor coordenação entre o que já está sendo implementado e o que está sendo discutido em espaços de alto nível, para que haja uma retroalimentação e visão de interdependência.
- Combater o desmatamento com dados, rastreabilidade e responsabilização: Não podemos esquecer que o desmatamento é o principal emissor de gases de efeito estufa no Brasil e freá-lo é urgente. Ferramentas como Trase, Forest 500/Floresta 250 e o Roteiro de finanças livres do desmatamento mostram que transparência é o coração da governança florestal. O Brasil pode liderar um novo modelo global baseado em dados integrados, monitoramento público e responsabilização financeira das cadeias de fornecimento.
- Financiamento com mecanismos automáticos e justos: A economista francesa Esther Duflo propõe através da recém-lançada Plataforma Fair Climate um mecanismo robusto: recursos automáticos, proporcionais a danos mensuráveis e direcionados diretamente às populações vulneráveis. Diante da lentidão das COPs, instrumentos previsíveis, ampliáveis e justos são essenciais para proteger vidas, financiar adaptação e reduzir desigualdades.
- Transição justa baseada em política industrial e inclusão social: Como argumenta o ativista sul-africano Kumi Naidoo, da Fossil Fuel Treaty, transição justa não é apenas substituir fósseis por renováveis, mas reconstruir economias com políticas industriais verdes, proteção social e participação ativa de trabalhadores e comunidades afetadas. O Brasil tem vantagens competitivas como energia limpa, biomassa, agricultura de baixo carbono, bioeconomia, mas ainda carece de maior coordenação público-privada e visão de longo prazo.
- Inclusão, fortalecimento institucional e diversidade de vozes: Segundo a publicação “Diretrizes para a Filantropia Climática”, da Iniciativa PIPA, sem apoio estrutural às organizações de base, especialmente negras, indígenas, quilombolas e periféricas, a transição será injusta e incompleta. É crucial financiar capacidades locais para que territórios vulneráveis possam se adaptar, inovar e implementar soluções.
- Economia da floresta em pé: A sociobioeconomia amazônica deixou de ser apenas narrativa e tornou-se agenda estruturada. Projetos como o Parque de Bioeconomia e Inovação da Amazônia e outras iniciativas apresentadas em Belém mostram um ecossistema aquecido. Mobilização de recursos, desenvolvimento de produtos, infraestrutura tecnológica e acesso a mercados seguem como desafios do setor, mas a economia da floresta em pé já mostra ser um modelo econômico viável, distributivo e compatível com a preservação. A bioeconomia estruturada e fortalecida como setor da economia real é um passo fundamental para alcançar o objetivo de desmatamento zero.
A frustração com o texto final não diminui o significado histórico desta COP. O multilateralismo climático é contraditório e politicamente tenso, mas Belém mostrou que, quando a sociedade civil ocupa os espaços, povos originários são protagonistas e soluções fora do sistema ganham força, o debate muda. Quando o micro influencia o macro, é onde a mudança realmente acontece. Esse é o mapa do caminho que já existe e que não depende da aprovação unânime de 195 países para avançar. Cabe a nós, em articulação e colaboração multissetorial, transformar essa energia social em políticas, financiamento e experimentações que antecipem o futuro que as COPs ainda não conseguem negociar. A crise climática exige pressa. A boa notícia é que a sociedade já começou a agir.
*Este artigo faz parte do debate “Depois da COP 30 no Brasil: o que falta para a ação climática acontecer de verdade?”.






