O artigo de Andrew A. King, Ken Pucker e Jesse Colman publicado na SSIR Brasil expõe um ponto sensível da transição da mensuração financeira tradicional para a valoração socioambiental na chamada contabilidade de impacto. Os autores argumentam que a conversão de impactos socioambientais em métricas financeiras globais pode gerar distorções ao reduzir realidades complexas a preços padronizados que apenas aparentam comparabilidade. O caso da International Foundation for Valuing Impacts (IFVI) – que atribui menor custo social ao consumo de água em países marcados por escassez hídrica como Mauritânia e Sudão do Sul do que na Suécia ou na Irlanda – evidencia como metodologias monetarizadas podem ignorar desigualdades históricas e institucionais, reproduzindo assimetrias estruturais sob a aparência de neutralidade científica.
No Brasil, foram adotadas em 2024 as diretrizes do International Financial Reporting Standards (IFRS), conjunto de regras contábeis globais desenvolvido pelo International Accounting Standards Board (IASB) para tornar as demonstrações financeiras consistentes, transparentes e comparáveis entre países para empresas de capital aberto. A norma S1 padroniza a divulgação de informações financeiras relacionadas a questões ambientais, sociais e de governança (ESG), enquanto a S2 orienta a divulgação de riscos e oportunidades ligados ao clima. Sua adoção representa um avanço institucional importante, embora não livre de desafios.
A padronização proposta pelas normas S1 e S2 é fundamental para a comparabilidade e para a integridade informacional dos relatórios corporativos. Contudo, também pode levar à simplificação excessiva: ao buscar métricas uniformes, corre-se o risco de apagar nuances locais de impacto e sustentabilidade. Esse dilema é particularmente grave em países de baixa ou média renda, com forte dependência de recursos naturais e arcabouço regulatório desigual, que precisam de métricas capazes de refletir seus contextos específicos. A mensuração de impactos não pode ser tratada como operação puramente financeira, sob pena de converter fenômenos multidimensionais em indicadores que obscurecem a relação entre riscos climáticos, capacidade distributiva (a habilidade do Estado de transformar crescimento econômico em bem-estar social) e vulnerabilidade socioterritorial.
No caso brasileiro, essa tensão assume contornos particulares. O país reúne uma das maiores biodiversidades do mundo, vastas reservas de água doce, cadeias produtivas sensíveis ao clima e elevado potencial de geração de energia renovável. Combinadas a profundas desigualdades socioeconômicas e assimetrias regionais, essas características tornam insuficiente a simples importação de modelos monetizados de impacto. A adoção das normas S1 e S2 exige, portanto, uma leitura contextual, para que a informação socioambiental reflita de fato os riscos e as oportunidades percebidos por empresas, comunidades e fornecedores.
Exemplos corporativos brasileiros recentes mostram como essa integração entre finanças e clima demanda atenção ao território. O relatório das Lojas Renner, divulgado em julho de 2025, evidencia que ondas de calor não são abstrações climáticas, mas variáveis operacionais que afetam lojas, logística, fornecedores e comunidades. Já o primeiro Relatório de Informações Financeiras Relacionadas à Sustentabilidade da Vale reconhece que eventos climáticos extremos e pressões regulatórias sobre emissões remodelam custos, investimentos e infraestrutura. Em ambos os casos, os relatórios sustentam decisões estratégicas baseadas na materialidade local brasileira, acolhendo cadeias produtivas que dependem da localização, de fornecedores e de redes comunitárias, e não em métricas padronizadas de forma acrítica.
Nesse sentido, as normas funcionam menos como instrumentos de uniformização e mais como meios de organizar percepções sobre riscos físicos, como enchentes, geadas e mudanças no regime de chuvas, e riscos de transição, como novas regulações, exigências tecnológicas e perda reputacional. Ao explicitar como esses fatores afetam cadeias produtivas, custos operacionais e decisões de investimento, os padrões de divulgação ampliam a capacidade de compreensão, e não de simplificação artificial.
Aplicar normas internacionais no Brasil é uma oportunidade de fortalecimento institucional, desde que não se confunda rigor com insensibilidade social. O problema não está na existência de métricas, mas na crença de que elas possam substituir as realidades que buscam representar. A informação contábil cumpre seu papel quando revela vulnerabilidades, não quando as oculta sob equivalências financeiras. O valor das normas reside menos em traduzir o país para uma linguagem global e mais em traduzir os impactos vividos pelas comunidades para uma linguagem que permita a empresas, governos e sociedade agir com responsabilidade.









