No último ano, participamos de diversos encontros de filantropia climática em que as pautas se concentraram em prioridades geográficas (como o Sudeste Asiático ou a África) ou setoriais (como a descarbonização da rede elétrica, a expansão da energia eólica e solar ou políticas públicas para a indústria). No entanto, as discussões sobre a infraestrutura humana necessária para impulsionar iniciativas climáticas transformadoras quase sempre ficaram de fora da programação.
Em nosso trabalho como líderes organizacionais, incluindo a plataforma global de educação e carreiras em clima Terra.do, constatamos que milhares de pessoas qualificadas e experientes ao redor do mundo estão ávidas para combater as mudanças climáticas. Ainda assim, em nossas conversas com filantropos da área climática, observamos pouco interesse em apoiar o desenvolvimento e a alocação de talentos. Ouvimos muito sobre “tecnologia limpa”, “finanças sustentáveis” e “velocidade e escala”, mas muito menos sobre as pessoas que colocam essas ideias em prática – os verdadeiros líderes à frente de ONGs corajosas, os especialistas que elaboram marcos regulatórios, os eletricistas que instalam infraestruturas resilientes ou os organizadores comunitários que fortalecem o engajamento público.
O caminho para um futuro de carbono zero não é pavimentado apenas com tecnologias e legislações – ele passa pelo sustento, pelo trabalho e pela liderança das pessoas. Para avançar de fato, o setor precisa investir na próxima geração de líderes climáticos, criar trilhas acessíveis e ampliáveis de capacitação verde, fortalecer a capacidade organizacional e conectar novos talentos a carreiras climáticas significativas.
Uma abordagem centrada em políticas que negligencia as pessoas
Nas últimas duas décadas, a filantropia climática, especialmente nos Estados Unidos, adotou a política como principal alavanca de mudança. Isso é compreensível: já que a economia global impulsiona as emissões de carbono, mudar as regras que regem essa economia é essencial, e conquistas políticas como a Inflation Reduction Act (IRA) e o Acordo de Paris são importantes avanços. Durante o governo Biden, previa-se que a IRA reduziria as emissões de carbono dos Estados Unidos entre 43% e 48% em relação aos níveis de 2005 até 2035, dobrando o ritmo das reduções. Embora o impacto do Acordo de Paris seja mais difícil de estimar, os países, desde sua assinatura, avançaram de maneiras significativas na ação climática global, incluindo a criação do Fundo de Perdas e Danos, que oferece assistência financeira a países pobres. Ele também serve como grito de mobilização global, arcabouço e plataforma para enfrentar a crise climática, à semelhança dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).
Entendemos, portanto, o apelo de se concentrar na matemática dura. Quantificar o progresso em termos de gigatoneladas de emissões de carbono evitadas, gigawatts de energia renovável instalados e bilhões de dólares de valor econômico criado facilita a mobilização de apoio financeiro e político adicional para a ação climática entre investidores, financiadores e formuladores de políticas.
Mas esse foco em metas “duras” de política e ciência gerou um ponto cego: a falta de investimento nas pessoas que implementam e sustentam essas mudanças – líderes, gestores e trabalhadores em toda a economia.
Como resultado, uma matemática dura de outro tipo está agora em jogo. Globalmente, simplesmente não há trabalhadores suficientes para cumprir as metas climáticas. O LinkedIn informa que, enquanto a demanda global por talentos verdes cresceu 11,6% entre 2023 e 2024, a oferta cresceu apenas 5,6%. Até 2030, um em cada cinco empregos pode ficar vago por falta de profissionais com qualificação verde.
O problema é particularmente grave no setor de energia limpa. A Agência Internacional de Energia constatou, em uma pesquisa com 27 países, que a maioria dos empregadores do setor energético enfrenta dificuldades para encontrar candidatos qualificados para praticamente todas as funções. O subinvestimento em talentos humanos e no desenvolvimento da força de trabalho está impedindo diretamente a capacidade do setor de alcançar tanto gigatoneladas de reduções de emissões como gigawatts de instalações de energia renovável.
Pior ainda, quando o clima permanece abstrato e desconectado da vida cotidiana das pessoas, o apoio público enfraquece. Basta observar a “velocidade e escala” com que o atual governo dos Estados Unidos está desmantelando disposições da IRA, a principal lei climática do país. Os políticos sabem muito bem que as mudanças climáticas raramente aparecem entre as dez principais preocupações dos eleitores. Uma pesquisa do Pew Research Center em 2023 revelou que apenas 37% dos norte-americanos veem o clima como uma prioridade importante – está em 17º lugar entre 21 questões. Dados da Gallup mostram que, embora muitos se preocupem com as mudanças climáticas, eles as classificam bem abaixo de temas como economia, saúde, inflação e criminalidade.
Como, então, fazer com que as pessoas se importem com a crise do clima? Esforços de comunicação mais eficazes – menos sobre gigawatts e mais sobre contas de luz mais baixas – ajudarão. Mas o desenvolvimento da força de trabalho é ao mesmo tempo essencial e subfinanciado.
Empregos e talentos: como progredir
A transição energética é uma das maiores transformações econômicas em um século – e também uma das mais intensivas em mão de obra. Só a IRA já gerou mais de 330 mil empregos em energia limpa nos Estados Unidos em dois anos. Cerca de 75% deles não exigem diploma universitário de quatro anos e muitos oferecem bons salários. Mas a tecnologia deixou de ser o gargalo – agora o desafio é a preparação da força de trabalho e a capacidade organizacional.
Energia limpa, agricultura regenerativa, retrofit de edificações, transporte público e projetos de resiliência exigem talentos diversos. Políticas públicas e advocacy fortes, em nível local e global, continuam vitais, especialmente no atual contexto geopolítico. Mas, depois de décadas de conscientização sobre a importância da ação climática, o setor agora precisa dedicar a mesma atenção a colocá-la em prática, o que por sua vez fortalece o próprio argumento a favor de políticas climáticas. E isso exige outro conjunto de estratégias, táticas e competências.
A filantropia climática não pode continuar focada apenas em cientistas, formuladores de políticas e ativistas. É preciso ampliar o campo; são necessários eletricistas, trabalhadores da construção civil, investidores, agricultores, especialistas em operações, logísticos, cineastas, engenheiros de software, encanadores, professores, influenciadores e administradores para aplicar suas habilidades e experiências na crise climática.
Colocar o talento e os meios de subsistência no centro torna a ação climática tangível. As pessoas têm mais chance de apoiar parques eólicos rurais se eles trouxerem empregos reais, não apenas cortes de emissões. Se a filantropia está realmente comprometida com uma transição justa e duradoura, precisa reequilibrar suas prioridades. Precisa investir nas competências e capacidades humanas que fazem o trabalho acontecer, com foco em três áreas interconectadas:
1 – Apoiar canais de formação profissional com foco em trajetórias educacionais, bolsas, programas de aprendizagem e planos de carreira. Programas que fazem a ponte entre a educação e o emprego podem ajudar a tornar a transição verde mais inclusiva e próxima da vida cotidiana das pessoas. Nos Estados Unidos, por exemplo, o SolarCorps, da Grid Alternatives, e outros programas de treinamento oferecem capacitação prática em instalação de painéis solares para comunidades historicamente marginalizadas. E profissionais de qualquer lugar do mundo podem impulsionar suas carreiras climáticas por meio de programas como o Climate Change: Learning for Action, da Terra.do, um “bootcamp” climático global para profissionais que desejam reorientar suas carreiras para enfrentar as mudanças climáticas.
Dois esforços mais recentes que estamos liderando incluem a Climate Finance Fellowship, que ajuda profissionais do setor financeiro a direcionarem suas carreiras para o clima ao mesmo tempo que apoia organizações sem fins lucrativos a absorver esse talento. A primeira turma – abrangendo 11 países da Ásia, África e América Latina – superou as expectativas tanto em transições de carreira quanto em viabilidade salarial, e inspirou outros financiadores a lançarem iniciativas semelhantes para profissionais de comunicação no Sudeste Asiático e advogados na África. Em desenvolvimento também está uma organização sem fins lucrativos voltada a capacitar pessoas com as habilidades – e a coragem – necessárias para liderar em clima. A programação ajudará indivíduos a desenvolver competências, ganhar confiança, navegar pelo mercado de trabalho e encontrar seu lugar no movimento.
2 – Fortalecer a capacidade organizacional ajudando ONGs, grupos comunitários e órgãos locais a crescer de forma eficaz. Muitas organizações sem fins lucrativos voltadas para o clima – especialmente as menores, com atuação local – enfrentam dificuldades para atrair, apoiar e reter novos colaboradores, mesmo quando recebem financiamento para ampliar seus programas. Alguns financiadores estão criando iniciativas para enfrentar esse desafio. O Growald Climate Fund, por exemplo, destinou recursos significativos a programas de talentos para possibilitar a expansão do campo da transição energética e, em seguida, criou uma Comunidade de Prática em Desenvolvimento Organizacional. Esse grupo diverso e robusto de financiadores compartilha boas práticas para ajudar organizações beneficiadas a construírem estruturas eficazes e bem geridas.
3 – Avançar nos padrões trabalhistas garantindo que os empregos climáticos ofereçam renda, dignidade e mobilidade ascendente. Para criar uma economia climática que seja ao mesmo tempo duradoura e justa, o setor precisa assegurar que empregos verdes sejam bons empregos. Nos Estados Unidos, o Climate Jobs National Resource Center trabalha com sindicatos em estados como Nova York e Illinois para pressionar por políticas climáticas estaduais que exijam proteções de qualidade no trabalho e investimentos em capacitação dos trabalhadores. Na África, o programa Women For Green Jobs da Shortlist, financiado pela Global Energy Alliance for People & Planet, apoia mais de 750 mulheres em transição para carreiras em energia limpa e colabora com a Value For Women e outros parceiros para promover a equidade de gênero em ambientes de trabalho no setor de energia limpa e garantir sucesso profissional. Esses modelos incorporam proteções trabalhistas às políticas climáticas e trazem grupos sub-representados para dentro da agenda climática, ampliando o apoio público à energia limpa e a outras soluções climáticas.
Essa mudança da conscientização para a prática também exige que o setor amplie o financiamento para a ação climática. Como um financiador nos disse: “É muito mais barato financiar um think tank do que um programa de treinamento”. Mas, se os financiadores querem transformar ideias, pesquisas e recomendações em impacto, precisam estar dispostos a investir de acordo.
A história humana do clima
A ação climática não se resume a curvas de emissões e metas de políticas – trata-se de pessoas ganhando a vida, criando famílias e construindo um futuro que valha a pena. Quando alguém começa o dia dirigindo um caminhão elétrico, isolando termicamente uma escola ou se maravilhando com a redução de 90% em sua conta de energia graças aos painéis solares, essa pessoa se torna uma embaixadora do clima. E o mesmo acontece com sua família, sua rede de contatos e sua comunidade. É assim que a conscientização e a aceitação se espalham.
A filantropia tem o poder e a responsabilidade de investir em pessoas. A maior transformação não virá apenas de leis, subsídios ou tecnologia. Virá de nós. Que nossas decisões de financiamento reflitam isso.
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