TV para os surdos da África
Por Valentine Benjamin
Em Uganda, mais de 1 milhão de indivíduos têm deficiência auditiva. Eles estão entre as 136 milhões de pessoas na África que apresentam algum grau de perda auditiva, segundo relatório de 2021 da Organização Mundial da Saúde.
A conscientização sobre a perda auditiva no continente é baixa. Muitas comunidades têm poucos ou nenhum intérprete de língua de sinais, o que impede o acesso de pessoas com deficiência auditiva a recursos públicos e médicos. Por isso, o Parlamento de Uganda aprovou uma lei em 2019 que determina que todos os noticiários em emissoras de TV públicas e privadas tenham um intérprete de língua de sinais.
Para contornar a inação do governo diante da lenta implementação, Susan Mujjawa, uma intérprete de língua de sinais, e Simon Eroku, um inovador que é surdo, lançaram a TV Signs Uganda em abril de 2022. Com transmissão no YouTube, a TV Signs é o primeiro canal do país dedicado a fornecer conteúdo de mídia em língua de sinais de Uganda, projetado especificamente para pessoas com deficiência auditiva. O canal se une às emissoras de língua de sinais TV Surdo em Moçambique e Canal Hipoacúsico Educativo na Argentina ao usar âncoras surdos para ler notícias que são simultaneamente traduzidas por um intérprete.
Quando teve a ideia do canal, Mujjawa trabalhava como intérprete de língua de sinais na emissora NTV Uganda, na qual apenas uma hora da programação diária era produzida para pessoas com deficiência auditiva.
Nem todas as pessoas surdas podem recorrer a fontes de mídia online, pois muitas não sabem ler. Somente quando a informação é convertida em linguagem de sinais ela aparece, reforça Mujjawa, “no formato mais acessível”.
Remera Nainerugaba, um ugandense de 35 anos que começou a assistir à TV Signs no mês de seu lançamento, diz que ficou especialmente frustrado durante o lockdown da Covid-19, porque “a comunidade surda foi excluída da cadeia de comunicação”. Ele teve que esperar que os jornais publicassem as informações mais recentes sobre a pandemia – algo que poderia ter se mostrado mortal nos primeiros meses.
Nas pesquisas de mercado os fundadores descobriram que a comunidade surda prefere por pessoas surdas transmitindo o conteúdo e que essa comunidade passa mais tempo online aos sábados. Mujjawa e Eroku então adaptaram a programação.
Além dos cofundadores, quatro âncoras de telejornais voluntários, com deficiência auditiva, e dois intérpretes de língua de sinais integram a equipe. O objetivo deles é levantar capital suficiente em um futuro próximo para contratar os voluntários como funcionários em tempo integral.
Os cofundadores sabiam que financiar um projeto que atende a uma comunidade marginalizada seria um desafio. Mas a doação de US$ 20 mil (cerca de R$ 100 mil) em novembro de 2021, do projeto de Futures Media da Escola de Pós-Graduação em Mídia e Comunicação da Universidade Aga Khan, custeou a pesquisa de mercado, um pequeno estúdio e o lançamento do canal no YouTube.
Em 2023, a principal prioridade da TV Signs Uganda é o piloto do YouTube. Por meio dessa implementação em pequena escala, espera testar a expansão da programação para sete dias da semana, avaliar a viabilidade em termos de custo e medir as preferências do público em relação à duração e ao tipo de programação. Um acordo com a Comissão de Comunicações de Uganda, garante a licença necessária para a TV Signs se lançar como uma estação de TV independente.
Parcerias com provedores regionais de TV a cabo para transmitir para toda a região da África Oriental até 2025 estão em andamento. O objetivo final, diz Mujjawa, é que a TV Signs se estabeleça em toda a África e alcance um público mais amplo fora do continente até 2027.