Sociedade voltada para mulheres negras no rádio e força-tarefa da Biblioteca do Congresso estão desenvolvendo uma coleção para homenagear a cultura radiofônica afro-americana
Por Marianne Dhenin
Em sua infância na Carolina do Norte da década de 1970, Helen Little adorava ouvir rádio, mas nunca imaginou que um dia estaria nesse meio dominado por homens brancos. “Quando você não se vê em uma coisa, é difícil se imaginar ali”, diz ela.
Na profissão há mais de 30 anos, ela hoje apresenta um dos programas solo de maior audiência no país, na 106.7 Lite FM de Nova York.
No ano passado, Little começou a trabalhar como voluntária na Sociedade Histórica das Mulheres Negras no Rádio, organização sem fins lucrativos criada em 2023 com base na estrutura empresarial da Black Women in Radio & Digital Media (BWIR), fundada pela ex-radialista Felèsha Love para dar reconhecimento à contribuição das mulheres negras ao radialismo.
O primeiro projeto de preservação da BWIR foi uma coleção de relatos orais, que teve Little entre as primeiras entrevistadas. A experiência inspirou seu voluntariado. Agora ela está no novo projeto da organização, a Coleção Legends, um arquivo de mídia e de objetos efêmeros, como fotografias antigas e anúncios impressos, que representam a riqueza da cultura radiofônica negra.
“Um aspecto muito importante de criar e preservar esta coleção é que se trata de um lugar onde as jovens que se parecem comigo podem se enxergar e perceber que é possível participar dos meios de comunicação de massa e compartilhar nossas histórias, nossa música e nossa cultura”, diz Little.
Inaugurada em 2023, a Coleção Legends é viabilizada por meio de uma parceria com a Força-Tarefa pela Preservação do Rádio (RPTF, na sigla em inglês), consórcio de instituições, estudiosos, bibliotecários e colecionadores sob a alçada do Conselho Nacional de Preservação de Gravações da Biblioteca do Congresso. Felèsha Love é a responsável pela curadoria, com a ajuda de personalidades famosas do rádio, como Little e Skip Dillard, que é gerente de operações da 94.7 The Block, uma tradicional rádio de hip-hop de Nova York. A coleção ficará abrigada na Biblioteca do Congresso, onde ganhará uma exposição, ainda sem data definida.
O conselho criou a RPTF em 2014, como uma ação no âmbito de sua missão de preservar a história nacional em áudio. “Naquele primeiro ano, descobrimos que quase toda a história radiofônica do país já havia sido jogada fora ou estava malcuidada e se deteriorando”, afirma o diretor RPTF, Josh Shepperd.
Muitas gravações mais antigas estão em formatos obsoletos, como o 78 rpm, feito de goma-laca. Algumas requerem equipamentos especiais para serem digitalizadas ou reproduzidas. Muitas foram descartadas quando as estações de rádio encolhiam ou mudavam de dono, ou pela chegada de novas tecnologias. Além disso, diz Shepperd, vieses raciais fazem com que arquivistas e colecionadores tendam a não priorizar a preservação das mídias negras.
Para Love, o trabalho da BWIR é também uma resposta ao clima político atual, que gerou represálias contra a forma como a história negra é ensinada – quando se ensina – nas escolas. “Isso torna nossa coleção ainda mais importante”, afirma Love. “Se não contarmos nossas histórias, quem vai contá-las?”
Embora seja voltada à história da cultura radiofônica negra, a Coleção Legends também permitirá que os historiadores componham narrativas mais ricas e inclusivas. Gravações radiofônicas antigas contêm informações vitais, capturando ações políticas cotidianas por trás de episódios como o Movimento pelos Direitos Civis. Com isso, será possível colocar em contexto décadas de momentos culturais e tendências que nasceram nas rádios negras, das danças da moda na década de 1960 até o hip-hop.
A coleção terá também mídias impressas, como cadernos com listas de execução e fotografias clássicas. Encontrar itens do tipo é um dos desafios da curadoria, pois eles podem estar em coleções particulares ou acumulando poeira em algum sótão.
“Lamento não termos conseguido salvar mais itens como esses”, afirma Dillard, que, durante suas três décadas de carreira, viu estações jogarem fora materiais antigos. “Agora, quero ajudar a encontrar tudo o que puder.”
A AUTORA
Marianne Dhenin é jornalista e historiadora premiada.
Usamos cookies para garantir que oferecemos a melhor experiência em nosso site. Se você continuar a usar este site, assumiremos que você está satisfeito com ele.OkNão