Há cerca de uma década, uma coalizão de líderes de indústria, empresas, organizações sem fins lucrativos e entidades comunitárias em uma cidade dos Estados Unidos tentou aprovar, por meio de um plebiscito, um aumento de impostos. O objetivo era arrecadar fundos para projetos de infraestrutura que reduzissem o congestionamento do tráfego. Quando a iniciativa fracassou nas urnas, a coalizão se uniu a um prefeito recém-eleito para elaborar uma segunda tentativa. Juntos, engajaram-se com a comunidade, identificaram as razões do fracasso e adaptaram sua estratégia. Dois anos depois, uma nova proposta de aumento de impostos e melhoria da infraestrutura foi aprovada com apoio bipartidário e intersetorial.
Outra colaboração iniciada por volta do mesmo período não teve a mesma sorte. Idealizada por uma professora aposentada que se uniu ao sistema público de ensino e a uma empresa regional, a iniciativa buscava aprimorar o conhecimento e as habilidades em STEM (sigla em inglês para ciência, tecnologia, engenharia e matemática) de estudantes em situação de vulnerabilidade. A colaboração obteve alguns resultados iniciais positivos, mas quando surgiram divergências entre os parceiros sobre as escolas que seriam atendidas e sobre a visão de longo prazo, a parceria sucumbiu a disputas internas e à inação. O financiamento se esgotou e a organização sem fins lucrativos que abrigava a colaboração decidiu encerrá-la.
Desde a criação de oportunidades econômicas e educacionais até a garantia da segurança pública, os problemas mais difíceis enfrentados pelas comunidades exigem o conhecimento, as habilidades e os recursos de múltiplos setores, incluindo governo, empresas e organizações sem fins lucrativos. Mas, como mostram esses dois exemplos, as colaborações intersetoriais variam enormemente em seus níveis de sucesso, e as pesquisas até agora oferecem apenas percepções limitadas sobre o que distingue as eficazes das ineficazes.
Um estudo publicado recentemente no Journal of Public Administration Research and Theory e apoiado pela Bloomberg Harvard City Leadership Initiative sugere que a maneira como uma colaboração reage a contratempos desempenha um papel fundamental. Colaborações intersetoriais que encaram o fracasso como uma oportunidade de aprendizado e adaptação, como no primeiro caso descrito, tendem a sobreviver e prosperar. Já aquelas que não o fazem, como no segundo exemplo, têm maior probabilidade de estagnar ou fracassar.
A chave para o sucesso das colaborações intersetoriais
Nosso estudo partiu da seguinte pergunta: o que favorece e o que dificulta o desenho e a gestão das colaborações intersetoriais? Para explorar essa questão, examinamos nove parcerias em três cidades e três áreas de políticas públicas (educação, segurança pública e desenvolvimento econômico). A maioria das pesquisas anteriores analisou uma única parceria em profundidade ou comparou várias parcerias dentro de uma mesma área de política pública, o que torna difícil generalizar percepções ou comparar entre diferentes domínios. Em contraste, nossa abordagem diferenciada nos permitiu formular hipóteses que abrangem cidades e áreas de políticas específicas. Em cada colaboração, analisamos documentos e conduzimos entrevistas e dinâmicas em grupo com membros de todas as organizações participantes. Embora nosso estudo ofereça hipóteses consistentes sobre as raízes do sucesso das parcerias, ainda são necessárias pesquisas adicionais para testar a teoria que propomos.
Descobrimos que todas as colaborações intersetoriais exigiram, inicialmente, um nível mínimo de confiança entre os membros para sair do papel, e todas enfrentaram contratempos logo no início. No entanto, o que ocorreu após esses reveses foi o fator determinante. Algumas colaborações responderam engajando-se em um processo de construção de confiança por meio da aprendizagem mútua. Elas participaram da resolução conjunta de problemas, ou seja, reconheceram os desafios como compartilhados, se reuniram e passaram por diversas iterações até coproduzirem soluções (Kerrissey, Mayo e Edmondson, 2021). Como mostra a figura abaixo, esse aprendizado mútuo reforçou a confiança entre os participantes, apesar dos obstáculos, permitindo que retomassem o caminho rumo ao sucesso. Em contraste, outras parcerias, mesmo aquelas que obtiveram vitórias rápidas no início, reagiram aos contratempos atribuindo culpas, entrando em conflitos internos e se desengajando. Essas colaborações entraram em um ciclo descendente de fracasso: a confiança entre os membros se deteriorou e pouco valor público foi efetivamente gerado.

Cinco ações para o sucesso colaborativo
Nosso estudo identificou cinco ações que, segundo os participantes das colaborações analisadas, colocaram uma parceria intersetorial em um caminho de aprendizado mútuo:
Aproveitar relacionamentos prévios: quando organizações e indivíduos já trabalharam juntos de forma eficaz no passado, torna-se mais fácil construir a confiança necessária para iniciar uma nova colaboração e responder aos contratempos aprendendo em conjunto. Quando as pessoas se conhecem e compreendem as origens e perspectivas umas das outras, tanto novos desafios quanto resultados indesejados se tornam menos intimidantes.
Confiar em uma pessoa de referência: um indivíduo conhecido ou um pequeno grupo de pessoas com relacionamentos sólidos e duradouros e reputação em diferentes setores pode inspirar confiança nos parceiros de que a colaboração é possível, mesmo quando as coisas não saem como o esperado. Colaborar exige esforço, e as pessoas desejam ver retorno sobre esse investimento. Navegadores habilidosos e experientes aumentam a confiança de que esse retorno acontecerá.
Engajar a comunidade: gerar contribuições e feedback de moradores e empresas em todas as etapas do processo pode resultar em planos melhores e com maior apoio à implementação. As colaborações podem aproveitar espaços comunitários já existentes ou criar novas plataformas dedicadas ao engajamento.
Usar dados e evidências: para compreender melhor os problemas e orientar as discussões, as colaborações frequentemente coletam e analisam dados e os revisam em conjunto. Isso ajuda os parceiros a alinhar perspectivas, desenvolver planos bem fundamentados, monitorar o progresso, gerenciar o desempenho colaborativo, avaliar resultados e, de forma crucial, evitar jogar a culpa uns nos outros quando surgem contratempos.
Investir deliberadamente na resolução conjunta de problemas: criar tempo e espaço dedicados para identificar e resolver dificuldades ajuda os colaboradores a se reunirem para discutir o andamento das ações e as mudanças necessárias. Estabelecer expectativas de comunicação aberta e construtiva é essencial: lembra a todos que a resolução conjunta de problemas é parte integrante de uma jornada de aprendizado coletivo.
A primeira colaboração que descrevemos anteriormente adotou todas as cinco ações. Ela se apoiou em coalizões de líderes da indústria, empresas, organizações sem fins lucrativos e entidades comunitárias que já haviam trabalhado juntas anos antes da derrota inicial nas urnas. Após essa derrota, o grupo passou por um processo de resolução conjunta de problemas para aprender com o fracasso eleitoral, envolvendo a comunidade em mais de 20 reuniões realizadas em toda a cidade. Quando descobriram que o sentimento contrário ao aumento de impostos vinha, em grande parte, da desconfiança em relação aos gastos do governo, propuseram um imposto destinado a uma lista restrita e transparente de projetos específicos de infraestrutura, utilizando uma abordagem baseada em dados para avaliar cada proposta. Por fim, uniram-se em torno de uma figura de confiança, o prefeito, que já havia ocupado outros cargos públicos, conhecia bem os atores e a comunidade, e cuja liderança foi crucial para conquistar amplo apoio eleitoral.
Em contraste, a colaboração na área de educação mencionada anteriormente adotou apenas duas das cinco ações que favorecem o aprendizado mútuo. Embora tenha se apoiado em uma pessoa de confiança e engajado a comunidade, não investiu de forma consistente nas demais ações. Isso tornou mais provável o surgimento de culpas mútuas em vez de aprendizado compartilhado quando a parceria enfrentou o revés descrito anteriormente.
Lições para líderes locais
Para comunidades que enfrentam problemas sociais complexos, a colaboração intersetorial é ao mesmo tempo necessária e desafiadora. A forma como líderes locaisse preparam e reagem aos inevitáveis contratempos pode ser a chave para parcerias eficazes. Pesquisas anteriores dos autores, bem como estudos recentes da Universidade de Minnesota publicados na Stanford Social Innovation Review, enfatizam a importância de investir nas bases da colaboração desde as fases iniciais. Nosso novo estudo oferece percepções e orientações que podem ajudar líderes locais a aumentar suas chances de sucesso colaborativo quando a parceria já está em andamento, mas ainda não entrega os resultados desejados:
Dedique tempo inicial para discutir como reagir aos contratempos. Converse com os parceiros sobre as dificuldades que a colaboração provavelmente enfrentará em momentos de crise, como diferentes definições de sucesso, discordâncias sobre processos decisórios ou escassez de recursos, e elabore um plano para superá-las de forma que estimule o aprendizado e fortaleça a confiança entre os membros. Investir tempo no início para definir objetivos, valores, processos e limitações do grupo pode ajudar a formular uma estratégia prática para continuar aprendendo mesmo em momentos difíceis.
Incorpore as cinco ações destacadas anteriormente. Ao projetar e gerir sua parceria, pense em como aproveitar relacionamentos existentes, apoiar-se em uma liderança confiável, engajar a comunidade, usar dados e evidências para orientar decisões e criar espaços e métodos para resolver problemas em conjunto. Adotar essas ações pode não garantir sucesso imediato, mas aumenta as chances de avançar de forma significativa na jornada de aprendizado coletivo.
Evite cair na armadilha de buscar o modelo de governança perfeito. Entre as nove colaborações analisadas em nosso estudo, nenhum modelo único de governança de parceria (seja compartilhado, liderado por uma organização principal ou administrado por uma entidade de rede separada) aumentou ou reduziu, por si só, as chances de sucesso. As três colaborações menos bem-sucedidas adotaram três modelos diferentes, assim como as três que tiveram mais sucesso, que inclusive variaram seus modelos ao longo do tempo. O fator decisivo foi a disposição das parcerias em adaptar seu modelo de governança conforme as necessidades da colaboração evoluíam. De fato, várias das colaborações mais bem-sucedidas que estudamos alteraram seus modelos, enquanto nenhuma das que tiveram menos sucesso o fez.
Desde 2017, a Bloomberg Harvard City Leadership Initiative tem trabalhado com líderes de mais de 300 cidades ao redor do mundo. Todos dependem de colaborações intersetoriais para avançar em seus desafios mais urgentes, e todos enfrentam dificuldades semelhantes. Essa realidade motivou as pesquisas que publicamos sobre barreiras à colaboração e sobre como identificar pontos de partida nas fases iniciais. Este estudo final, focado no papel da estrutura, nas ações-chave e na colaboração como jornada de aprendizado, complementa esses trabalhos anteriores.
Embora a colaboração entre diferentes organizações e setores nunca seja simples, é possível aumentar as chances de sucesso reconhecendo os desafios comuns e aproveitando as lições e evidências que as pesquisas oferecem.
Leia o estudo completo: “Cross-Sector Collaboration in Cities: Learning Journey or Blame Game?”, publicado no Journal of Public Administration Research and Theory, v. 35, n. 2, abril de 2025.
*Artigo publicado originalmente na Stanford Social Innovation Review com o título “Learning From Setbacks in Collaborations”.
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