As organizações sem fins lucrativos estão enfrentando uma crise e muitas pessoas no setor filantrópico estão apreensivas. Os cortes realizados pelo governo dos Estados Unidos no financiamento em prol do bem social provocarão um efeito cascata nos próximos anos. Ao mesmo tempo, nossas liberdades de doar, investir e nos expressarmos livremente – fundamentais para a nossa sociedade democrática – estão sob ataque.
Muitas organizações sem fins lucrativos já sucumbiram e outras tantas seguirão o mesmo caminho. Líderes talentosos e visionários deixaram o setor e outros o deixarão: estima-se que 22.757 empregos de tempo integral em organizações sem fins lucrativos nos Estados Unidos tenham sido perdidos entre janeiro e junho de 2025.
A nova geração de líderes do setor social optará por seguir outros rumos profissionais. As consequências serão sentidas por todos, em comunidades rurais, suburbanas e urbanas de todos os estados dos Estados Unidos, com reflexo no acesso à arte, nas pesquisas científicas que melhoram nossa vida e nas redes de proteção comunitária das quais dependemos.
Falem ou não sobre isso publicamente, muitas pessoas no setor filantrópico querem fazer alguma coisa para lidar com as circunstâncias dramáticas em que nos encontramos. Ainda temos uma ampla margem de liberdade para agir, como indivíduos e como fundações filantrópicas. De que maneiras podemos aproveitar essa flexibilidade para causar o maior impacto possível neste momento de tamanha necessidade?
Aumentar o financiamento e a flexibilidade
Essa pergunta tem, a meu ver, uma resposta simples: todos nós podemos doar mais dinheiro. Podemos começar sendo mais generosos e pedindo menos das outras pessoas.
Em média, as organizações apoiadas pela Fundação MacArthur recebem 12% de seus recursos de subsídios do governo dos Estados Unidos. Um grupo mais restrito é altamente vulnerável, recebendo 25% ou mais de seu financiamento de fontes governamentais estadunidenses. Esse não é um déficit que elas possam absorver, nem que nós possamos aceitar.
Em nossos melhores momentos, fundações filantrópicas funcionam como um capital de risco social. Quando os níveis de risco são altos para a sociedade como um todo – mesmo em uma crise provocada pelo próprio ser humano, como a atual –, nosso papel é responder de forma ativa. Tendemos a gastar mais quando nossos fundos patrimoniais aumentam. Por que não gastar mais quando a necessidade é maior? Devemos agir de forma contracíclica quando a situação assim o exige, e acreditamos que a situação atual exige isso. Como afirma Michelle Morales em seu artigo “Repensar a perpetuidade para investir no presente”, “doações devem ser motivadas pelas necessidades do momento, não pelo desempenho dos nossos ativos”.
Desse modo, no início deste ano, nós na MacArthur respondemos aumentando nossa taxa de repasse filantrópico de 5,25% – nossa meta anterior – para 6% ou mais em 2025 e 2026. Esse compromisso representa um piso mais alto, não um teto. O aumento equivale a pelo menos US$ 150 milhões em doações adicionais em relação ao que havíamos planejado para o período. Estamos direcionando esses recursos para organizações mais vulneráveis aos cortes de financiamento e com as quais já estamos trabalhando em estratégias de longo prazo. Elas podem usar os recursos adicionais e flexíveis para se fortalecer, se reorientar, atender necessidades emergentes ou aproveitar oportunidades inesperadas que surjam em meio aos desafios. Nosso objetivo é reduzir os impactos negativos e os riscos da atual emergência, e ajudar nossos parceiros a cumprir suas missões.
Nosso papel é responder de forma ativa. Tendemos a gastar mais quando nossos fundos patrimoniais aumentam. Por que não gastar mais quando a necessidade é maior?
Compartilhamos com nossos colegas que contribuíram com esta série de artigos algumas das questões que discutimos e que nos levaram a definir esse novo nível de doação. Nossos documentos fundadores estabelecem o compromisso de perpetuidade, e concluímos que poderíamos cumprir nossos deveres fiduciários com um aumento modesto na taxa de repasse, sem violar esse compromisso. Debatemos se deveríamos priorizar o momento atual ou crises futuras, mas se esta não é a proverbial “hora do aperto”, qual seria? Também nos perguntamos se um piso de 6% seria suficiente para lidar com a urgência atual e sobre a possibilidade de nosso fundo patrimonial continuar crescendo de forma significativa neste período. Com base em nosso planejamento de cenários, definimos 6% como piso, com flexibilidade para ir além.
Também refletimos sobre como poderíamos avaliar as transformações institucionais e setoriais que surgirão neste período. Muitas de nossas discussões se basearam nos fundamentos de nosso dever fiduciário e na necessidade de alinhamento com nossa missão. Foi útil reformular algumas perguntas considerando o risco da inação: “Se gastarmos menos agora, será que teremos de gastar mais depois para alcançar os mesmos, ou melhores, resultados sociais?”.
Aumentar o impacto em escala
Mas será que uma única fundação pode realmente fazer tanta diferença assim?
Fundamentalmente, a filantropia é composta por organizações guiadas por missão e valores. Não existimos para gerar receita ou administrar ativos, mas para defender os princípios que declaramos e apoiar pessoas e organizações que podem nos ajudar a cumprir nossas missões. Na MacArthur, permanecemos firmes em nosso apoio a organizações que promovem nossa missão de construir um mundo mais justo, verdejante e pacífico. Nenhum de nós deve se sujeitar a fazer concessões para preservar nossas contas bancárias quando nossa liberdade de cumprir nossa missão está ameaçada e quando nossos parceiros – beneficiários e organizações apoiadas – enfrentam tamanhos riscos.
Sempre conseguimos realizar mais quando atuamos em conjunto do que isoladamente. Quando colaboramos em escala somos capazes de fazer mais diferença.
Um cálculo rápido mostra que, se as fundações aumentassem coletivamente suas doações anuais de US$ 100 bilhões, como a MacArthur está fazendo, o setor social receberia pelo menos US$ 20 bilhões adicionais. E isso sem incluir doadores individuais e outros tipos de doação. Sabemos que algumas instituições, como as fundações Marguerite Casey, Freedom Together e Woods Fund, estão elevando suas taxas de repasse. Outras, como as fundações Gates, Stupski e McClatchy, planejam distribuir todos os seus recursos ao longo dos próximos anos.
Juntos, e se agirmos com criatividade, podemos disponibilizar bilhões de dólares em recursos provenientes de fundações, fundos orientados por doadores (DAFs, na sigla em inglês) e outras fontes de doação. Enquanto os recursos públicos destinados à educação, à pesquisa, às artes e aos parques nacionais dos Estados Unidos foram reduzidos, a riqueza privada só aumentou, ampliando o volume de capital que podemos mobilizar por meio da filantropia privada.
O aumento dos recursos, embora não consiga substituir o financiamento público, pode fazer muito para auxiliar as comunidades a atender suas necessidades. E, como afirma Ben Soskis em seu artigo “O dever público da filantropia”, ser mais transparente pode ajudar as instituições filantrópicas a defender um financiamento que apoie as comunidades, “tornando pública a urgência e a tragédia do ‘socorro filantrópico’ que são obrigadas a realizar e aproveitando essa visibilidade para mobilizar apoio público a esses programas e instituições como beneficiários legítimos de futuros investimentos governamentais”.
Desenvolver uma coalizão mais ampla
Uma questão correlata e complexa surgiu com a discussão sobre os níveis de gastos: como podemos atuar em conjunto para defender a liberdade de ação do nosso setor? Precisamos defender a liberdade de expressão, a liberdade de doar e a liberdade de investir. Acredito que uma das respostas para isso é colaborar de forma ampla e estratégica.
O aumento do financiamento, por si só, não será suficiente. Na medida em que as circunstâncias evoluem rapidamente, fica claro que precisamos de uma abordagem sistemática. Todos nós precisamos tomar medidas concretas para defender nossa democracia, nosso setor, as organizações que apoiamos e as pessoas que elas atendem.
Devemos ampliar nossa visão de mundo e expandir nossas coalizões. No setor filantrópico, ainda que não compartilhemos as mesmas crenças ou perspectivas, estamos preparados para defender, de forma unida e enfática, as liberdades fundamentais que atravessam divisões ideológicas.
Quando mais pessoas e organizações contribuem com talentos, ideias e recursos, criam-se efeitos multiplicadores. Como argumenta Olivia Leland em seu artigo “Lideranças locais apontam caminhos para a filantropia”, investir em lideranças com raízes locais – pessoas que conhecem melhor os desafios que suas comunidades enfrentam – é uma forma importante de incluir uma ampla variedade de vozes. Podemos e devemos nos valer da criatividade e da diversidade de abordagens e ideias presentes em nosso setor.
Quando defendemos a liberdade de doar, estamos defendendo o direito de todas as pessoas de apoiar as instituições e as causas que lhes são caras, independentemente de quem esteja no poder
Aqueles que trabalham pelo bem social ainda não construíram uma tenda ampla o suficiente. Não conseguimos incorporar perspectivas diversas à nossa coalizão, e sofremos as consequências dessa divisão.
No entanto, podemos combater a divisão com união. Para construir uma coalizão em defesa da sociedade civil, precisamos superar diferenças e identificar nossos pontos de convergência. Os mais de 700 signatários da declaração “A Public Statement from Philanthropy”, publicada em abril, representam diversas comunidades pelos Estados Unidos. E concordamos no seguinte aspecto: “Nem todos compartilhamos as mesmas crenças ou prioridades. O mesmo vale para nossos doadores e para as comunidades que atendemos. Porém, como instituições filantrópicas doadoras, estamos unidas em prol do nosso direito, garantido pela Primeira Emenda da Constituição dos Estados Unidos, de fazer doações de acordo com nossos próprios valores”.
Ameaças às organizações sem fins lucrativos e às fundações filantrópicas não fazem distinção com base em pontos de vista. Não podemos nos dar ao luxo de agir isoladamente. Precisamos avançar juntos em prol do bem comum.
Toda instituição filantrópica – igreja, fundação, biblioteca, hospital – e todo indivíduo que queira viver de acordo com seus valores depende das liberdades de doar, de se expressar e de investir. Quando defendemos a liberdade de doar, estamos defendendo o direito de todas as pessoas de apoiar as instituições e as causas que lhes são caras, independentemente de quem esteja no poder.
Sabemos que não estamos sozinhos nessa jornada. Vamos ouvir mais de nossos colegas sobre o que outras organizações estão fazendo. O que podemos fazer melhor? Quais novas ideias de transformação são mais inspiradoras?
Acredito que a coragem é contagiante. Quando usamos nossa voz para defender nossas crenças e valores, inspiramos outras pessoas a fazer o mesmo.







