Ação climática efetiva deve enfrentar setor de combustíveis fósseis e apoiar comunidades tradicionais

Para avançar, será preciso que países assumam compromissos mais claros, mesmo que politicamente custosos: metas explícitas de eliminação de combustíveis fósseis, compromisso público com desmatamento zero, planos concretos de transição energética e proteção aos povos vulneráveis
A Rede de Ação Climática (CAN) faz ato em protesto por uma transição climática justa, na Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP 30) em Belém.
Tânia Rêgo / Agência Brasil

A COP30 deixou claro que o multilateralismo climático continua de pé, ainda que frágil. Em um cenário geopolítico fragmentado, manter quase 200 países sentados à mesa já é, por si só, um feito. Mas a conferência também evidenciou contradições, atrasos e escolhas políticas que impedem o avanço necessário diante da urgência da crise. A pergunta que se impõe agora é: o que deve ser feito para transformar as negociações em ações reais?

A primeira resposta envolve coerência política. O Brasil, como país anfitrião, buscou se apresentar como liderança global verde, mas 15 dias antes da conferência aprovou mais uma exploração de petróleo e sancionou a produção de carvão até 2040. Estávamos pedindo que os outros países fizessem sua parte, enquanto nós mesmos enfraquecíamos nosso discurso. Isso não apenas gera insatisfação, mas alimenta uma sensação de contradição. A luta climática exige consistência. Não há espaço para defender florestas enquanto se expande a produção de combustíveis fósseis.

Ao mesmo tempo, a COP30 demonstrou que sociedade civil, povos indígenas e comunidades tradicionais já estão na linha de frente da implementação. A presença histórica dessas lideranças mostrou que soluções existem e estão sendo aplicadas no território. Contudo, faltam mecanismos financeiros acessíveis a essas comunidades. O Fundo Florestas Tropicais para Sempre (TFFF) é um passo importante: ao fim da COP30, já havia sido anunciado que o fundo alcançou US$ 5,5 bilhões em compromissos de doações públicas. Uma cifra significativa, que poderia representar recursos reais para conservação e regeneração. 

Mas a eficácia do TFFF dependerá da capacidade de desburocratizar o acesso e garantir que os recursos sejam efetivamente destinados às comunidades que vivem na floresta, não apenas a intermediários ou grandes projetos “de impacto”. Sem isso, há risco de que o fundo beneficie poucas corporações e deixe as populações tradicionais à margem.

Durante a plenária final, ficou evidente o desalinhamento entre os países e a dificuldade de construir consensos. Mas o consenso não é unanimidade; é disposição para ceder em favor de um bem maior. Para avançar, será preciso que países assumam compromissos mais claros, mesmo que politicamente custosos: metas explícitas de eliminação de combustíveis fósseis, compromisso público com desmatamento zero, planos concretos de transição energética e proteção aos povos vulneráveis. A COP30 perdeu a chance de consolidar tais compromissos, mas abriu espaço para uma nova rodada de negociações em poucos meses. As próximas conversas devem ser guiadas por coragem política, não apenas diplomacia protocolar.

Além disso, a transição energética justa só será possível com uma estratégia global de comunicação. Os grupos que atrasam o progresso climático e fomentam combustíveis fósseis e mau uso da terra investem bilhões em propaganda e lobby. Na COP30, por exemplo, foram identificados cerca de 1.600 lobistas da indústria de petróleo, gás e carvão – aproximadamente 1 em cada 25 participantes, a maior proporção já registrada de representantes da indústria fóssil em uma conferência da ONU. Além disso, o agronegócio também marcou presença expressiva: mais de 300 lobistas da agricultura industrial estiveram credenciados na COP30, segundo análise da imprensa e de organizações ambientais. 

Essa presença massiva de poluidores e desmatadores escancara a assimetria de poder dentro da conferência, e evidencia por que os resultados permanecem tímidos diante da gravidade da crise climática. Para mudar isso, é preciso que a sociedade civil e os movimentos ambientais construam uma narrativa clara, acessível e baseada em valores, mostrando soluções reais e tangíveis e não apenas dados técnicos ou previsões desoladoras.

Em suas entrevistas mais recentes, Ana Toni, CEO da COP30 e uma das vozes centrais nas negociações, disse que o setor privado brasileiro “chegou unido” e se posicionou não como obstáculo, mas como provedor de soluções em energia renovável, agricultura de baixo carbono e bioeconomia. Essa mudança na postura empresarial é significativa, pois mostra que há espaço e disposição comercial para investimentos de baixo carbono e para projetos que alinhem lucro com sustentabilidade.

Nos próximos meses, sob presidência brasileira, o foco será a elaboração dos roadmaps para uma transição energética sem combustíveis fósseis e com desmatamento zero. Para Toni, a prioridade global pós-COP30 é clara: “implementação, implementação, implementação”. Ou seja, mais do que discursos ou intenções, o desafio agora é transformar promessas em projetos concretos, replantio, energia limpa, mercado regulado de carbono, apoio às comunidades tradicionais, financiamento acessível e monitoramento real da biodiversidade.

Por fim, é urgente recolocar a natureza no centro da decisão, e não apenas os interesses econômicos imediatos. A transição energética já é viável: as energias renováveis são hoje mais competitivas que os combustíveis fósseis, por exemplo, mas o que impede o abandono definitivo dos fósseis é o quão dependente as economias são do setor. Adiar o inevitável custará muito mais à sociedade e aos biomas. É preciso redefinir prioridades econômicas e reconhecer que a sobrevivência coletiva e a justiça climática valem mais do que a estabilidade de um setor.

A COP30 mostrou um mundo dividido, mas ainda disposto a conversar. Para que esse diálogo se transforme em ação efetiva, será necessário combinar coerência política, financiamento acessível, coalizões de verdade, comunicação estratégica e uma nova visão de desenvolvimento, na qual os seres humanos não são o centro do sistema, mas parte dele. O futuro climático depende da nossa capacidade de fazer escolhas difíceis agora, antes que não haja mais escolhas possíveis.

*Este artigo faz parte do debate “Depois da COP 30 no Brasil: o que falta para a ação climática acontecer de verdade?”.

Autor(a)

Kamila Camilo

Kamila Camilo é uma líder climática brasileira, empreendedora social e comunicadora comprometida em aproximar grandes organizações, comunidades e juventudes na construção de soluções para o futuro do planeta. Fundadora do Instituto Oyá e da CreatorsAcademy Brasil, Kamila atua na criação de tecnologias sociais que transformam plataformas digitais em espaços de aprendizagem, engajamento e geração de oportunidades. Seu trabalho conecta jovens a habilidades digitais e narrativas inclusivas, apoiando marcas, governos e instituições a dialogarem, sempre com coautoria, dados e devolutiva de impacto real.