Embora consensos importantes sobre combustíveis fósseis e desmatamento tenham, mais uma vez, ficado de fora dos documentos oficiais da Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, alguns pontos inéditos nos textos oficiais da COP30, realizada em novembro em Belém, no Pará, têm sido celebrados como uma vitória da sociedade civil.
Pela primeira vez, eles trazem menções a afrodescendentes e reconhecimento de direitos territoriais indígenas, destacando sua contribuição na conservação e no uso sustentável da natureza. Também houve avanço nas questões de gênero, com detalhamento de como o tema será debatido nos próximos anos. A participação desses grupos nos espaços oficiais e extraoficiais da COP30 se materializou, em especial, na ampla mobilização promovida pela Cúpula dos Povos.
A contribuição dos povos originários, indígenas, quilombolas, populações tradicionais, negras, de mulheres e outros grupos politicamente minorizados sempre foi central no enfrentamento à mudança climática. No Sul Global – especialmente em América Latina, África e Ásia – são esses grupos que lideram soluções concretas de proteção ambiental e adaptação.
No Brasil, as Terras Indígenas são responsáveis pela conservação de 97,4 milhões de hectares na Amazônia e no Cerrado, protegendo uma área equivalente a 12,4% do território nacional.
Na Amazônia brasileira, 632 territórios quilombolas, que abrigam 2.494 comunidades, somam 3,6 milhões de hectares e armazenam quase um bilhão de toneladas de carbono, tendo perdido apenas 5% de sua cobertura florestal nos últimos 40 anos.
Mulheres também lideram respostas locais, como as brigadas comunitárias indígenas de combate a incêndios na região Norte e a rede de cisternas no Pajeú, em Pernambuco, que garante acesso à água e fortalece quintais produtivos.
O mesmo ocorre em diversos países africanos, onde comunidades protegem nascentes, recuperam rios e garantem acesso à água potável. No Sudeste Asiático, no Camboja, ações comunitárias preservam florestas, ampliam a segurança alimentar e reforçam práticas tradicionais essenciais à adaptação climática.
A menção, ainda que tardia, desses grupos nos textos oficiais da COP do Clima reconhece essa contribuição fundamental e abre caminho para a sua inclusão nas NDCs (Contribuições Nacionalmente Determinadas) dos países, estimulando o fomento de políticas públicas. Mas deixa a desejar no quesito financiamento para apoiar a atuação desses grupos nos territórios.
O texto aprovado na COP30 prevê o compromisso dos países desenvolvidos em triplicar anualmente o financiamento destinado à adaptação, chegando a US$ 120 bilhões até 2035. A questão que perdura é como esse recurso alcançará esses grupos e territórios, e quanto dele de fato terá como destino o apoio direto às suas soluções.
Onde está o dinheiro para os territórios?
Segundo o relatório Funding Trends 2024,apenas 2% do investimento filantrópico global é destinado à mitigação climática. No Brasil, uma prévia dos dados do Censo GIFE 2024-2025, divulgados durante a COP30, dão conta de que, em 2024, o investimento social privado no Brasil doou para ações climáticas o equivalente a 6% do investido pelo universo de associados GIFE. Dados sobre quanto desses 6% foi doado para iniciativas de grupos e comunidades em seus territórios ainda não estavam disponíveis até o fechamento deste artigo.
A segunda edição do relatório The State of Funding for Tenure Rights, que analisa tendências internacionais de financiamento para fortalecer direitos de posse da terra de povos indígenas, comunidades locais e afrodescendentes, aponta que o apoio financeiro a esses grupos, seus direitos e projetos de conservação florestal aumentou 46% desde a COP26, realizada em 2021, quando doadores se comprometeram a doar US$ 1,7 bilhão entre 2021 e 2025.
Embora o financiamento tenha aumentado substancialmente em 2021 e se mantido em níveis elevados desde então, o relatório também mostra declínio nas doações, visto que o financiamento anual em 2024 foi 23% menor em comparação com o pico de 2021. Essa queda pode se acelerar ainda mais frente à onda conservadora que tem provocado cortes no financiamento do Norte Global, de onde provém a maior parte dos recursos para esses grupos.
Já organizações da filantropia de justiça socioambiental, membros da Alianza Socioambiental Fondos del Sur e da Rede Comuá, mobilizam recursos expressivos para essas agendas, com o compromisso de fazê-los chegar diretamente aos territórios para apoiar suas soluções. Entre 2023 e 2024, organizações membro das duas redes doaram, juntas, mais de R$ 500 milhões em apoio direto a comunidades em 50 países do Sul Global.
O Sul Global aponta o caminho
Em articulação inédita, essas duas redes de filantropia de justiça socioambiental, cuja atuação se dá na América Latina, na África e no Sudeste Asiático, se uniram durante a COP30, em parceria também com a Rede de Fundos Comunitários da Amazônia e o movimento #ShiftThePower, e promoveram a primeira edição d’A Casa Sul Global.
A plataforma, lançada oficialmente durante o evento, reúne 40 organizações e fundos do Sul Global, que há décadas levam recursos diretamente a comunidades indígenas, povos tradicionais, populações negras e periféricas.
A Casa Sul Global consolidou-se como um espaço permanente de diálogo e construção coletiva que, a partir de experiências concretas, evidencia o papel estratégico desses fundos e organizações na construção de uma arquitetura de financiamento mais eficiente e equitativa, baseada em arranjos inovadores e compreendendo o financiamento como ferramenta de justiça socioambiental.
Essa é a chave para a garantia de acesso a direitos, reparação histórica das desigualdades sociais, ambientais, climáticas e econômicas e para o enfrentamento à mudança climática.
Fica o chamado para que as filantropias e os mecanismos formais de financiamento de clima e natureza reconheçam a contribuição dessas comunidades e grupos no desenho e implementação de suas próprias soluções e seu protagonismo no enfrentamento à questão climática. E direcionem recursos para apoio direto aos territórios. Só assim conseguiremos catalisar novos futuros, mais resilientes, mais inclusivos e menos desiguais.
*Este artigo faz parte do debate “Depois da COP 30 no Brasil: o que falta para a ação climática acontecer de verdade?”.
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