Engajamento comunitário para reflorestar a cidade

Miniflorestas urbanas em equipamentos públicos de São Paulo integram educação ambiental e participação social em prol de justiça climática
Fotos: Cortesia formigas-de-embaúba

A crise climática atual, sentida por todas as espécies que coexistem no planeta, já alterou o cotidiano nas cidades. São Paulo, a maior cidade do Brasil e uma das maiores do mundo, exibe mudanças evidentes na temperatura média, no regime hídrico e nos padrões sazonais. Entre as alterações observadas, destaca-se o aumento de cerca de 3°C na temperatura média da região entre 1919 e 2019, associado ao aumento na frequência e intensidade das ondas de calor e de chuvas extremas, de 50 mm ou mais em um dia.

Somos natureza: nossa relação com o planeta determina nosso futuro, nossa qualidade de vida e nossa sobrevivência. Ante o impacto cotidiano da crise climática, ganha força a adoção de Soluções Baseadas na Natureza (SBNs): iniciativas que revitalizam a natureza no ambiente urbano, restaurando o verde como infraestrutura viva de adaptação climática. No Brasil, onde 87,4% da população vive em áreas urbanas, São Paulo vem se tornando um importante laboratório dessa transformação.

Frente aos desafios sociais e ambientais das cidades, nós, da organização sem fins lucrativos formigas-de-embaúba, escolhemos um caminho direto e potente: plantar miniflorestas urbanas e realizar processos de educação ambiental que aproximam pessoas e natureza, cidades e florestas. Ao compartilhar essa experiência, buscamos inspirar outras organizações e governos locais a abraçarem desafios semelhantes: reflorestar a cidade, um equipamento público por vez, fazendo com que calor e concreto cedam lugar à floresta viva, semeando esperança.

Reflorestar a cidade

As miniflorestas são infraestruturas vivas que reduzem a temperatura, aumentam a infiltração de água no solo e recuperam a biodiversidade. Mas o que as torna efetivas é o modo como ativam o cuidado comunitário, potencializado pelos processos de educação ambiental. Em meio ao concreto, são respiros que devolvem vida e sentido aos espaços públicos. 

A formigas-de-embaúba integra a rede global de miniflorestas da SUGi, organização sem fins lucrativos suíça presente em mais de 20 países, que parte de um princípio simples: nenhuma floresta urbana prospera sem gente por perto que a queira, cuide e proteja. Restaurar ecossistemas urbanos é também restaurar laços.

Fotos: Cortesia formigas-de-embaúba

Em São Paulo, onde a diferença de temperatura entre áreas arborizadas e regiões densamente construídas pode ultrapassar 8°C, as periferias concentram os impactos mais severos do calor, da escassez de áreas verdes e das enchentes. 

Levantamentos do MapBiomas, iniciativa colaborativa que reúne universidades, ONGs e empresas de tecnologia para mapear o uso do solo no Brasil, identificaram centenas de escolas públicas na cidade com áreas aptas ao plantio – potenciais refúgios climáticos urbanos. Temos transformado, aos poucos, essas áreas em miniflorestas, o que tem proporcionado muitos aprendizados. Cada plantio é único e exige sensibilidade, diálogo e acompanhamento técnico. Ainda assim, alguns princípios básicos ajudam a compreender esse processo e podem inspirar quem deseja iniciar experiências semelhantes. 

Compartilhamos abaixo um roteiro simplificado, construído a partir da nossa prática, que tem orientado a implantação das miniflorestas comunitárias e pode inspirar gestores públicos e outras organizações interessadas em replicar o modelo.

  1. Escolha do local: priorize áreas com pelo menos 150 m², planas ou quase planas, ensolaradas, não pavimentadas e com poucas ou nenhuma árvore adulta.
  2. Consulta às comunidades: antes do início do programa, envolva a comunidade do entorno em um processo de escuta e construção coletiva, garantindo que a minifloresta surja de um desejo compartilhado.
  3. Preparação do solo: descompacte, incorpore adubos e, depois do plantio, cubra com palha ou outra matéria orgânica, criando condições para o retorno da microvida e a infiltração de água. Sempre que possível, realize uma análise laboratorial de uma amostra de solo para identificar outras correções necessárias.
  4. Seleção de espécies e plantio adensado: combine alta diversidade de árvores – cerca de 100 espécies em uma minifloresta de Mata Atlântica, por exemplo –, reunindo árvores de crescimento rápido e lento, de sol e de sombra, frutíferas e medicinais. Plante, na época de início das chuvas, cerca de duas mudas de árvores por metro quadrado, buscando replicar a densidade do bioma nativo de referência, criando camadas que se complementam no tempo e no espaço. Entre as árvores, semeie plantas de adubação verde (como girassol e feijões), favorecendo a cobertura inicial do solo e o retorno da fertilidade biológica.
  5. Percurso de educação ambiental: antes do plantio, realize ciclos de vivências ao ar livre de educação ambiental com estudantes e outros grupos da comunidade local, construindo sentido para o plantio e o cuidado com a minifloresta.
  6. Engajamento comunitário: promova mutirões de plantio e cuidado, transformando o ato de plantar e acompanhar o crescimento da minifloresta em uma experiência coletiva.
  7. Manutenção e monitoramento: acompanhe tecnicamente a minifloresta, por, no mínimo, dois a três anos, realizando a poda das plantas de adubação verde, mantendo a cobertura de solo e o controle manual de gramíneas até que ela se torne autossustentável.

Cada etapa compõe um ciclo: do reconhecimento do território à criação de vínculos de cuidado que sustentam a minifloresta. A metodologia adotada no percurso de educação ambiental é adaptada conforme o contexto, com a elaboração de programas pedagógicos específicos para cada público envolvido. Em escolas, as miniflorestas funcionam como salas de aula ao ar livre; em unidades básicas de saúde, revelam a importância do contato com as árvores e o solo para a saúde física e emocional; em parques, tornam-se espaços de estudo, convivência e contemplação. Quando uma floresta nasce em um terreno antes vazio, o entorno ganha novo sentido: o espaço público se torna território vivo.

Ciência, equidade e engajamento social

A técnica de plantio que usamos adapta o método Miyawaki, criado pelo botânico japonês Akira Miyawaki, para o contexto urbano brasileiro: o adensamento elevado de árvores e a diversidade aceleram o crescimento, reduzem custos de manutenção e potencializam os serviços ecossistêmicos necessários para a adaptação climática das cidades, como a diminuição do calor. Um estudo realizado na Inglaterra mostrou uma taxa média de sobrevivência de 79% das árvores plantadas com esse método, frente a 47% nos plantios convencionais. 

Na cidade de São Paulo, o desafio é também social: a desigualdade na distribuição de áreas verdes faz com que o excesso de concreto e as ilhas de calor afetem desproporcionalmente as populações de baixa renda. Implantar miniflorestas nas periferias, onde o verde é escasso, foi uma escolha que fizemos para reduzir essa desigualdade climática. 

Levantamentos de campo mostram que o solo dentro das miniflorestas pode atingir temperaturas até 20°C mais baixas do que as de áreas pavimentadas dos pátios das escolas onde atuamos. Mais do que um indicador ecológico, essa diferença representa uma contribuição efetiva para a justiça climática: um ganho concreto para as populações que mais sentem os efeitos do calor extremo.

Muitas pessoas da nossa equipe vêm das próprias comunidades, com prioridade para a contratação de mulheres negras e pessoas indígenas. Essa composição demonstra que diversidade vai além da representatividade: quem se reconhece no processo tende a cuidar melhor do resultado. Uma equipe plural conduz os processos pedagógicos e faz a ponte entre saber científico, culturas locais e tradicionais e engajamento ambiental.

Fotos: Cortesia formigas-de-embaúba

Aprendizado coletivo

Ao contrário dos projetos tradicionais de arborização urbana – geralmente marcados por baixa diversidade de espécies, grande espaçamento entre as árvores e alto custo de manutenção –, as miniflorestas densas criam microclimas sombreados em até três anos, reduzem significativamente a temperatura ambiente e favorecem a infiltração de água no solo e a melhoria da qualidade do ar. Também contribuem para a captura de carbono, a produção de alimentos e a restauração da biodiversidade, atraindo polinizadores e avifauna e fortalecendo o bem-estar físico e emocional das pessoas. A diferença está em integrar restauração ecológica, participação comunitária e educação ambiental, três dimensões ainda raramente reunidas em um mesmo projeto urbano.

Essas florestas criam oportunidades para algo que vai além da reposição da vegetação: um processo contínuo de aprendizado e engajamento. As crianças e jovens que participam dos plantios passam a reconhecer a minifloresta como parte da escola; as professoras e os professores podem usar o espaço para aulas ao ar livre; e os vizinhos podem ser convidados a frequentar o terreno. A floresta ensina e é por meio dessa experiência compartilhada que ela se torna parte da cultura local. É uma infraestrutura viva que cresce, interage, sensibiliza e educa.

Fotos: Cortesia formigas-de-embaúba

Desafios para expandir com qualidade

De 2021 a 2025, a formigas-de-embaúba plantou 52 miniflorestas, com cerca de 30 mil árvores de 135 espécies, impactando aproximadamente 60 mil pessoas. Esses dados revelam a força do engajamento local: o plantio só se sustenta quando o espaço se torna de todas as pessoas, e esse talvez seja o maior aprendizado.

Os desafios que se colocam à frente estão bem definidos: assegurar à formigas-de-embaúba recursos estáveis de longo prazo, expandir com qualidade para novas regiões e aprofundar parcerias duradouras com o poder público, capazes de garantir continuidade, multiplicação e a criação de políticas públicas inspiradas nesse modelo. 

Temos participado de diferentes fóruns e processos de construção coletiva voltados à adaptação climática urbana, como o Plano de Ação Climática do Município de São Paulo, buscando contribuir para que as miniflorestas sejam reconhecidas e incorporadas às políticas públicas como infraestrutura verde. Nosso objetivo é ampliar essa experiência, transformando o que começou em mutirões locais em uma política permanente de adaptação climática baseada na natureza e em redes colaborativas que permitam sua replicação em outras regiões do país. Esse processo exige tempo, presença e respeito às singularidades de cada território – elementos nem sempre compatíveis com a lógica de financiamento do terceiro setor.

Restaurar ecossistemas urbanos significa cuidar, ao mesmo tempo, das florestas e das relações que as sustentam. Uma floresta só se mantém viva quando as pessoas que a cercam se tornam parte dela; quando o cuidado com as árvores e com a comunidade passa a ser o mesmo gesto.

À medida que o mundo busca novos caminhos para a resiliência climática, experiências como a nossa mostram que é possível restaurar o equilíbrio ecológico de baixo para cima, envolvendo comunidades, espaços públicos e governos locais. Entendemos que plantar uma floresta em uma escola, ou outro equipamento público, é mais do que uma ação ambiental: é um ato político, educativo e social. É transformar preocupação em ação concreta. Cada minifloresta é um lembrete de que a adaptação climática começa com um gesto coletivo: plantar o futuro com as próprias mãos.

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