Jornalismo investigativo sem fronteiras

O OCCRP conduz investigações transfronteiriças e tem como alvo os maiores corruptos do mundo – de oligarcas e influenciadores misóginos a elites políticas 
Em abril de 2023, a equipe do OCCRP treinou repórteres em Malta sobre tópicos como análise de dados e as melhores maneiras de apresentar uma investigação.
Foto cortesia do Projeto de Reportagem sobre Crime Organizado e Corrupção

A ideia para o Organized Crime and Corruption Reporting Project (OCCRP), uma das principais agências de jornalismo investigativo do mundo, começou a tomar forma quando o repórter romeno Paul Radu e o repórter estadunidense Drew Sullivan se encontraram em um congresso de jornalismo na Bulgária, em 2003. Ambos estavam à frente de centros de jornalismo investigativo – Radu no Romanian Centre for Investigative Journalism, na Romênia, e Sullivan no Center for Investigative Reporting na Bósnia e Herzegovina. Pouco depois, eles lideraram uma investigação premiada sobre agências de exploração de energia que tinham provocado uma crise regional no custo de energia no sudeste da Europa, publicada em 2007. Dois anos mais tarde, em 2009, fundaram a primeira sede do OCCRP em Sarajevo, reunindo jornalistas de ambos os centros. 

“Percebemos que as mesmas pessoas estavam aparecendo em diferentes países e estávamos lidando com o mesmo tipo de organização criminosa”, diz Sullivan. “Se a intenção era produzir reportagens sobre crime organizado e seguir essas redes, nós mesmos tínhamos de ser uma rede.”

Desde sua fundação em 2007, o OCCRP tem desempenhado um papel central nas maiores investigações colaborativas com base em dados da história do jornalismo moderno, como os Panama Papers – um vazamento anônimo de 11,5 milhões de documentos confidenciais de um dos maiores escritórios de advocacia offshore do mundo, o Mossack Fonseca –, que revelou como os ricos escondem dinheiro por meio de empresas de fachada e contas bancárias em paraísos fiscais. O OCCRP também liderou outras investigações que abriram caminho para demissões, prisões e processos judiciais de políticos de alto escalão. A organização afirma que suas reportagens já resultaram na recuperação de US$ 10 bilhões em fundos ilícitos, 417 investigações oficiais, centenas de mandados de prisão e mais de cem demissões ou renúncias de autoridades de alto nível.

A organização ganhou destaque e reconhecimento por conduzir investigações sobre o crime organizado na Europa Oriental, frequentemente envolvendo empresas de fachada, finanças offshore e funcionários governamentais. As reportagens premiadas do OCCRP já miraram desde oligarcas próximos ao presidente russo, Vladimir Putin, até o influenciador misógino Andrew Tate, que afirmou ter feito parcerias com “mafiosos” para administrar cassinos, antes de ser preso por tráfico de pessoas e estupro na Romênia. 

Ao longo dos últimos 15 anos, o OCCRP estabeleceu uma rede de repórteres em seis continentes, construiu relações sólidas com organizações anticorrupção e veículos de mídia regionais e globais, além de contar com financiadores privados e governamentais do Ocidente. Atualmente, sua sede fica em Amsterdã, com escritórios em Sarajevo e Washington, DC. A organização continua crescendo apesar da desinformação generalizada, das preocupações com o impacto da inteligência artificial (IA) na disseminação de notícias e dos constantes ataques à verdade e aos jornalistas que a buscam.

Colaboração, tecnologia, ousadia jornalística, visão de futuro e esforço contínuo para diversificar suas fontes de financiamento têm sido fatores decisivos para o sucesso do OCCRP. Com planos de desenvolver redes em nuvem e ferramentas de IA para acelerar e ampliar investigações colaborativas, além de projetos com cineastas para adaptar histórias investigativas para o cinema, o OCCRP tem grandes ambições. 

Combater a corrupção com colaboração

A corrupção custa ao mundo pelo menos US$ 2,6 trilhões anuais, ou quase 5% do PIB global, de acordo com o Fórum Econômico Mundial. O Banco Mundial estima que indivíduos paguem em subornos mais de US$ 1 trilhão por ano, e estudos têm mostrado que a corrupção exacerba a pobreza e a desigualdade. A corrupção também solapa a democracia quando se estabelece em governos autocráticos e oligárquicos e corrói estruturas de responsabilização, como o Judiciário. 

“Governos corruptos formam amplas redes de clientelismo abastecidas pelo roubo de recursos do Estado”, diz Sullivan. “Violam direitos humanos, corrompem eleições, saqueiam recursos naturais e, no fim das contas, geram conflitos devido à sua instabilidade inerente.”

À medida que a tecnologia, a internet e o sistema financeiro global se tornam mais interconectados, as redes criminosas continuam a superar a capacidade das autoridades de rastreá-las e processá-las. Acreditando que o acesso aberto e o compartilhamento de dados são essenciais para investigações que possam responsabilizar os corruptos, o OCCRP desenvolveu o Aleph, um vasto banco de dados que reúne 310 conjuntos de dados de fontes do mundo todo e auxilia jornalistas no rastreamento de empresas e pessoas de interesse. A equipe de dados do OCCRP criou o protótipo do Aleph entre 2014 e 2015, com financiamento posterior da Google News Initiative, da Fundação Nacional para a Democracia (NED, na sigla em inglês) e da Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (Usaid, na sigla em inglês). Atualmente, o Aleph é usado por mais de 23 mil jornalistas, pesquisadores e ativistas, que podem acessar o recurso gratuitamente depois de preencher um formulário de inscrição.

Radu pretende democratizar o jornalismo investigativo, para que cidadãos possam conduzir investigações – o que ele vê como uma espécie de “agência de inteligência global”. Em 2016, o OCCRP uniu esforços com a Transparência Internacional para criar o Consórcio Global Anticorrupção, que incentiva a cooperação entre jornalistas e a sociedade civil. E, em 2024, cofundou a Journalism Cloud Alliance com o propósito de construir uma infraestrutura em nuvem acessível para que jornalistas possam desenvolver projetos investigativos transnacionais, que frequentemente envolvem grandes volumes de dados e documentos. Mas Sullivan e Radu afirmam que, diferentemente de agências de inteligência convencionais, o OCCRP mantém uma linha clara entre seu trabalho e as ações de autoridades policiais ou grupos ativistas. 

“Nosso trabalho é contar a história e deixar que pessoas mais inteligentes do que nós decidam o que deve ser feito a respeito – se somos nós que decidimos o que deve ser feito, deixamos de ser um mediador independente da informação”, afirma Sullivan. 

Parte da estratégia do OCCRP tem sido colaborar com jornalistas e organizações de mídia, além de adaptar reportagens tanto para públicos locais como para audiências ocidentais, com o objetivo de ampliar seu alcance. Sua rede conta com mais de 65 editores nos seis continentes e mais de 65 centros regionais associados. A Europa concentra a maioria dos editores, enquanto a África hospeda o segundo maior grupo entre os continentes. 

“A todo momento, mais de cem reportagens estão em andamento ao redor do mundo”, diz Sullivan, que estima que a organização publique cerca de cem histórias por ano, com investigações que levam de três a nove meses para ser concluídas.

A receita do OCCRP dobrou entre 2022 e 2023, chegando a US$ 31 milhões, devido à criação de um novo projeto de defesa legal para jornalistas financiado pela Usaid, chamado Reporters Shield, cuja gestão de subvenções está a cargo do OCCRP. 

No entanto, esse financiamento tem sido alvo de críticas. Uma investigação publicada em dezembro de 2024, conduzida por um pequeno grupo de veículos de comunicação dos EUA e da Europa, sugeriu que a organização teria ocultado o fato de que metade de seu financiamento provinha do governo estadunidense, o qual teria influência sobre cargos de liderança e conteúdo editorial do OCCRP. A reportagem também insinuou que a organização estaria sendo usada como uma ferramenta de soft power, alegando que o OCCRP “recebeu recursos para investigar temas e países considerados prioritários por Washington”, incluindo a Rússia, segundo o Drop Site News, veículo baseado nos EUA e um dos que realizaram a investigação.

O OCCRP negou essas alegações em um comunicado publicado em seu site, mas admite estar preocupado com sua dependência de recursos estadunidenses e ressalta os esforços para diversificar suas fontes de financiamento. “Depender de financiamento governamental para fazer jornalismo investigativo não é o ideal, mas atuamos em partes do mundo onde não existe outra fonte de recursos”, explica Lauren Jackman, diretora de comunicação do OCCRP. “Poucos doadores institucionais trabalham na Ásia Central ou no Pacífico. O OCCRP consegue financiamento para atuar em locais onde o jornalismo investigativo não existiria.” 

Ameaças iminentes

Processos judiciais contra o OCCRP e a proteção de seus jornalistas continuam sendo os maiores desafios enfrentados pela organização. Atualmente, há 90 processos movidos contra jornalistas que fazem parte de sua rede, sendo seis diretamente voltados contra o próprio OCCRP, todos relacionados a investigações realizadas – ações que, segundo a agência, têm como objetivo silenciar os jornalistas e enfraquecer o jornalismo investigativo de forma mais ampla. O OCCRP e organizações de defesa da liberdade de imprensa têm chamado atenção para o uso de ações judiciais, especialmente por difamação, como instrumento de intimidação. O programa Reporters Shield foi criado, em parte, para ajudar o OCCRP a enfrentar esses processos nos tribunais. 

Além disso, jornalistas associados ao OCCRP tiveram a vida ameaçada e a agência estendeu seus protocolos de segurança a todos com quem trabalha. Embora o OCCRP acompanhe regularmente os jornalistas, sua editora para a Europa Central, Pavla Holcová, afirma que os custos pessoais do jornalismo investigativo podem ser altos: alguns profissionais chegam a optar por não constituir família devido às ameaças potenciais contra seus entes queridos. Em 2018, um de seus colegas foi assassinado enquanto realizava uma investigação sobre a máfia eslovaca. O burnout se tornou uma preocupação real, e a organização contratou um profissional para oferecer apoio psicológico aos jornalistas, além de ter implementado uma “política liberal de folgas”, segundo Jackman.

Outro desafio considerável é a crescente desconfiança em relação a jornalistas e às próprias notícias, com o avanço da desinformação. No caso do OCCRP, a dificuldade particular é que grande parte de seu conteúdo é denso e voltado a leitores interessados em políticas públicas e jornalismo investigativo. A organização tem elaborado estratégias para tornar suas complexas investigações mais acessíveis ao público geral. 

Como organizações como o OCCRP vão se adaptar a um cenário em que as pessoas se informam cada vez mais pelas redes sociais continua sendo uma questão em aberto. “O desafio é alcançar o público e fazer com que ele se importe”, afirma Susan Valentine, diretora de mídia e expressão da Open Society Foundations (OSF), uma das financiadoras do OCCRP. Para enfrentar esse desafio, a agência está trabalhando com uma editora de redes sociais e engajamento, com o objetivo de ampliar seu alcance e manter o interesse da audiência.

Para Algis Lipstas, ex-colega de Valentine na OSF e atualmente responsável por apoiar a captação de recursos do OCCRP na Europa, o sucesso da organização indica que o jornalismo e a colaboração transnacional têm um futuro promissor. “A época em que parecia que o jornalismo investigativo se tornaria uma espécie em extinção já passou”, diz Lipstas. “Hoje existe uma comunidade de pessoas que conversam entre si através dos continentes.”