Os direitos duramente conquistados por pessoas LGBTQ+ na Alemanha começaram a parecer frágeis diante das recentes vitórias eleitorais de políticos conservadores e de extrema direita. Muitos deles querem proibir a discussão sobre identidade de gênero e sexualidade nas escolas e revogar leis que garantem o casamento igualitário para gays e lésbicas e o direito à autodeterminação para pessoas trans.
“Há uma reação da direita na Alemanha, e muitas pessoas queer estão preocupadas”, diz Dorothea Wagner, diretora artística baseada em Leipzig.
Para abrir espaço para a população LGBTQ+ em meio às crescentes ameaças políticas, Wagner e Mim Schneider, fotógrafa e artista performática, lançaram em 2023 o Queer Voices, uma série de passeios a pé guiados por áudio. Os roteiros combinam histórias orais, performances ao vivo e uma interação criativa com o espaço público para tornar tangíveis as perspectivas queer em Leipzig e Halle, duas cidades da antiga Alemanha Oriental hoje situadas em dois estados alemães onde a extrema direita vem ganhando popularidade.
Wagner teve a ideia de criar uma experiência em áudio enquanto conversava com uma amiga por mensagens de voz no WhatsApp. Em vez de um podcast ou outro tipo de áudio, escolheu um passeio guiado em grupo com fones de ouvido, para proporcionar uma experiência coletiva. O passeio comporta até 30 participantes, que recebem fones de ouvido pelos quais escutam uma faixa de áudio de duas horas. A narração dá instruções ao longo do caminho, enquanto um guia acompanha o grupo para garantir que ninguém se desvie da rota planejada.
O grupo caminha, faz pausas e ouve junto as histórias gravadas de pessoas LGBTQ+ locais. No tour por Leipzig, há entrevistas gravadas com universitários alemães contemporâneos, imigrantes de Síria, Cazaquistão e Itália, e membros de gerações mais velhas que descrevem como era a vida de uma pessoa homossexual na antiga Alemanha Oriental.
“Fazer a caminhada em grupo é essencial”, diz Wagner. “As pessoas se olham e podem ver como outras reagem quando uma história mexe com elas. Isso cria conexão. Durante essas duas horas, há um sentimento de união e emoções compartilhadas.”
No primeiro ano, Wagner, Schneider e uma equipe composta por três assistentes de projeto e três performers realizaram 12 passeios em Leipzig durante quatro fins de semana, entre julho e outubro. O tour foi expandido para Halle em 2024, com o crescimento da equipe para incluir assistentes e performers adicionais, oferecendo 30 passeios nas duas cidades entre abril e outubro. Após uma campanha de financiamento coletivo para cobrir os custos iniciais e pagar os colaboradores, o Queer Voices recebeu apoio do Departamento de Cultura de Leipzig, da prefeitura de Halle, do estado federal de Saxônia-Anhalt e do Fundo Federal de Artes Cênicas da Alemanha. Os ingressos são vendidos no formato “pague quanto puder”. O projeto também contou com ajuda para publicidade vinda de negócios locais pertencentes à comunidade queer e de influenciadores nas redes sociais.
Performers ajudam a dar vida aos passeios do Queer Voices, representando cenas das histórias orais enquanto são narradas pelos fones de ouvido ou conduzindo grupos de voluntários em danças do tipo flash mob nas praças das cidades. Por meio dessas manifestações públicas, as pessoas queer de hoje e seus aliados tornam-se visíveis ao transeuntes, assim como as histórias queer ficam tangíveis para os participantes.
Wagner diz que, no clima político atual, o Queer Voices é ainda mais necessário. “É importante ocupar espaço como pessoa queer”, afirma. “Muitas de nós nos sentimos sozinhas por tanto tempo que estar em um grupo de pessoas com ideias semelhantes é importante e, às vezes, até terapêutico.”