Ensino na prisão reduz reincidência criminal

Xerifes do estado de Michigan (EUA) criaram um programa de educação e treinamento profissional para presos que transformou a cultura carcerária e reduziu a reincidência
Ilustração de Eric Nyquist

Em 2022, a Associação Nacional de Xerifes dos Estados Unidos (NSA, na sigla em inglês) procurou pesquisadores em busca de ajuda. Em Flint, no estado do Michigan, um programa de reabilitação no interior de presídios parecia estar reduzindo a reincidência criminal e a indisciplina dos detentos. O programa oferecia acesso à educação e à formação profissional, mas também promovia uma mudança cultural nas unidades prisionais ao tratar as pessoas privadas de liberdade como membros da comunidade e como estudantes com capacidade para mudar e crescer. O representante da NSA buscava dados e conhecimento: o programa, chamado Inmate Growth Naturally and Intentionally Through Education (IGNITE), estava realmente funcionando tão bem quanto parecia? 

Quatro pesquisadores realizaram uma análise estatística do programa IGNITE e concluíram que ele é eficaz na redução da reincidência criminal e da má conduta dentro das prisões. Marcella Alsan, professora de políticas públicas na Harvard Kennedy School; Arkey Barnett, doutorando em economia na Universidade de Michigan; Peter Hull, professor de economia na Universidade Brown; e Crystal Yang, professora de direito na Harvard Law School, conduziram uma análise detalhada para estimar os efeitos causais do programa idealizado por Christopher Swanson, um xerife com 20 anos de experiência e um mestrado com foco na reforma do sistema carcerário.

Os dados brutos do condado de Genesee, em Flint, mostram quedas na reincidência e em incidentes de má conduta que coincidem com o início do programa, em 2020. “Mas queríamos investigar mais a fundo por várias razões”, diz Hull. “O programa começou em setembro de 2020, no auge da pandemia. Queríamos ter certeza de que estávamos comparando situações equivalentes, estimando o efeito causal do programa e não de outros fatores que poderiam estar ocorrendo ao mesmo tempo.”

Em campo, em Flint, os pesquisadores ouviram relatos sobre os atrasos no sistema judiciário local, que prolongavam a permanência na prisão de pessoas que aguardavam julgamento. Esses atrasos ofereciam algo semelhante a um estudo randomizado controlado: duas pessoas presas ao mesmo tempo podiam passar períodos diferentes na cadeia, não por motivos relacionados a seus casos, mas devido ao congestionamento de processos nos tribunais.

“Usamos esse cenário para estimar os efeitos de se passar mais tempo exposto ao programa”, conta Hull. “Desenvolvemos uma nova metodologia para estimar os efeitos do tempo de permanência na prisão, isolando os efeitos específicos da exposição ao programa.”

A inovação seguinte dos pesquisadores foi usar a variação nos atrasos judiciais tanto antes como depois da implementação do IGNITE. A comparação dos efeitos permitiu discernir diferenças entre passar mais tempo na prisão, de maneira geral, e passar mais tempo na prisão com o programa em funcionamento. 

O programa oferece educação e formação profissional, adaptadas aos históricos e interesses individuais. Algumas pessoas privadas de liberdade se dedicam a obter o certificado de equivalência do ensino médio (GED), enquanto outras buscam o diploma do ensino médio tradicional ou fazem cursos em universidades comunitárias para obtenção de créditos. Elas podem ainda aprender a soldar, tirar licença para dirigir caminhões ou obter certificação para manipulação de alimentos. O IGNITE celebra essas conquistas, realizando cerimônias em que os formandos desfilam usando beca e capelo, palestrantes convidados oferecem mensagens de incentivo e familiares e amigos se reúnem para reconhecer os méritos alcançados.

Ao contrário de muitos programas de reabilitação que demandam altos investimentos, o IGNITE aproveita espaços e recursos já existentes, o que o torna de baixo custo. O orçamento do condado de Genesee não sofreu aumentos significativos com a implementação do programa. Na verdade, seu sucesso na redução da reincidência criminal gerou economia para o governo.

A mudança cultural foi um aspecto mais difícil de mensurar. Os pesquisadores desenvolveram uma abordagem metodológica mista, aplicando questionários em barbearias, mercados e outros espaços comunitários frequentados por pessoas que haviam passado pela prisão ou tinham familiares encarcerados. As perguntas abordavam temas como a relação com as forças de segurança, perspectivas de futuro e outros aspectos da vivência com o sistema penal.

“Há 50 anos enfrentamos o desafio de não saber o suficiente, na prática, sobre como prevenir o crime, ou mesmo se isso seria possível”, afirma Jens Ludwig, professor de economia na Universidade de Chicago. “Esse novo estudo é muito importante porque nos aponta novas direções que são ao mesmo tempo construtivas e viáveis.” 

Veja o estudo completo: “‘Something Works’ in U.S. Jails: Misconduct and Recidivism Effects of the IGNITE Program”, por Marcella Alsan, Arkey Barnett, Peter Hull e Crystal Yang, The Quarterly Journal of Economics,
v. 140, n. 2, 2025.