No começo de 2021, no Vale do Silício, sete mulheres de origem latina se uniram para criar o Fundo de Solidariedade de Mountain View (FSMV), iniciativa bilíngue para prover apoio financeiro a imigrantes latinos da classe trabalhadora impactados pela pandemia de covid-19. Por serem moradoras de longa data da região, as cofundadoras conheciam de perto e por experiência própria as dificuldades enfrentadas pelas comunidades imigrantes da classe trabalhadora.
“Para as famílias mais vulneráveis, em especial as que se encontravam em situação migratória irregular, o impacto foi duplo”, diz Olga Melo, cofundadora do FSMV. Por um lado, as famílias foram orientadas a ficar em casa, muitas vezes em espaços apertados, onde era difícil se isolar caso alguém apresentasse sintomas. Por outro, as ordens de confinamento paralisaram a renda de assalariados e trabalhadores diaristas que não tinham a possibilidade de trabalhar remotamente.
Centrais à missão do fundo foram a sua base em décadas de experiência em organização comunitária e a conexão direta com famílias necessitadas. Em três anos, o FSMV distribuiu mais de US$ 2 milhões em financiamentos públicos e privados como auxílio direto a famílias.
À medida que as taxas de infecção por coronavírus diminuíram e as pessoas voltaram ao trabalho presencial, a liderança do FSMV decidiu direcionar seus esforços para uma questão pela qual já vinha lutando havia tempos: a habitação acessível. Em colaboração com voluntários locais, as líderes do FSMV identificaram o modelo de community land trust (CLT) como uma solução – um fundo fiduciário sem fins lucrativos que adquire e administra terras para que moradores de baixa renda possam comprar unidades habitacionais por valores abaixo do mercado, garantindo a acessibilidade habitacional de forma permanente. Em setembro de 2024, o fundo passou a se chamar Mountain View CLT (MVCLT). A organização sem fins lucrativos é presidida por voluntários da comunidade e conta com a consultoria das cofundadoras do FSMV, preservando assim a estrutura de governança democrática que foi essencial para o impulso inicial do fundo.
Os valores que orientaram a redistribuição de recursos durante a pandemia estão no centro da missão do MVCLT, em especial a priorização das vozes da comunidade na defesa da autogestão de recursos. De forma mais ampla, as cofundadoras do MVCLT demonstram que líderes comunitários de base exercem um papel fundamental ao atuar como ponte entre recursos governamentais e populações vulneráveis. A desconfiança em relação ao governo é uma preocupação crescente, especialmente à medida que governos locais em todo o país intensificam a colaboração com órgãos federais de fiscalização migratória. Nesse contexto, o MVCLT pode servir como modelo da maneira pela qual lideranças locais podem advogar em nome de suas comunidades e inspirar parcerias público-privadas em que os governos locais apoiam ativamente organizações intermediárias que conectam moradores a recursos essenciais.
Ajuda mútua
Segundo o Conselho de Imigração dos Estados Unidos, milhões de pessoas residentes no país não eram elegíveis para receber assistência federal durante a pandemia, já que não eram consideradas cidadãs. Isso ocorreu, em grande parte, devido à exigência de identificação por meio de um número de seguridade social para receber os pagamentos, o que excluiu membros da comunidade imigrante indocumentada. Esforços comunitários locais buscam preencher essa lacuna no acesso a recursos.
Mesmo quando governos locais e organizações sem fins lucrativos desejam apoiar pessoas que não têm status de cidadãs, pesquisas mostram que muitos imigrantes relutam em aceitar ajuda governamental. Muitos temem atrair a atenção do Serviço de Imigração e Alfândega (ICE, na sigla em inglês), arriscando deportação e separação familiar, ou prejudicar futuras solicitações de cidadania.
As entrevistas realizadas pelas cofundadoras do FSMV com membros da comunidade atestaram os obstáculos enfrentados pelas famílias para acessar necessidades básicas durante a pandemia. Temas recorrentes nos relatos incluíam frustração ou confusão com a burocracia dos formulários, além de estresse financeiro, emocional e de saúde intensos. “Foi por isso que decidimos ser uma organização diferente”, diz a cofundadora Paula Perez. “Queríamos oferecer entrega direta, sem intermediários, sem espera pelo correio, sem filas. Não queríamos que as famílias passassem por mais estresse enfrentando um processo de inscrição com exigências enormes.” Em vez disso, as famílias recebiam valores em espécie ou cheques e tinham a “liberdade de decidir para onde iria esse dinheiro”, acrescenta Melo.
A distribuição direta de doações em dinheiro é uma forma de ajuda mútua, um modelo comunitário de coordenação coletiva para atender às necessidades uns dos outros. A ajuda mútua mostrou-se especialmente eficaz durante a pandemia, oferecendo alívio financeiro imediato em um contexto em que medidas governamentais, como as ordens de confinamento, afetaram gravemente trabalhadores de baixa renda. “Os primeiros fundos vieram de uma única família – US$ 10 mil, que distribuímos para as famílias em pagamentos de US$ 500”, explica a cofundadora Azucena Castañon. As sete cofundadoras se conectavam com vizinhos em situação de necessidade, solicitavam breves formulários de inscrição por e-mail e, em seguida, se reuniam virtualmente para discutir e aprovar por unanimidade cada pedido de ajuda. Elas desenvolveram um modelo de autogestão não hierárquico, com abordagem comunitária feita presencialmente ou por telefone, e entrega em mãos de envelopes com dinheiro, para que as famílias recebessem os recursos o mais depressa possível.
O FSMV conseguiu distribuir fundos e crescer rapidamente ao colaborar com a Los Altos Mountain View Community Foundation (LAMVCF), organização beneficente local que coordena um programa de incubação de organizações sem fins lucrativos e oferece apoio administrativo e patrocínio fiscal a projetos liderados pela comunidade. Essa parceria tornou o fundo “um pouco mais formal” em sua comunicação com doadores, afirma Melo, permitindo que arrecadasse US$ 50 mil iniciais sem a necessidade de se constituir formalmente.
Moradia para todos
Embora localidades em todo o país estejam experimentando soluções de moradia acessível, a conjuntura atual se mostra insuficiente para famílias em risco de deslocamento. A pandemia, o fim das moratórias de despejo e a inflação agravaram ainda mais a crise habitacional. “As famílias precisavam ter esperança de conseguir manter seu ritmo de vida, com os filhos nas escolas, seus espaços culturais, suas moradias, seus espaços comunitários”, explica a cofundadora Nadia Mora. “Elas tentavam permanecer e viver, mesmo que fossem duas ou três famílias no mesmo espaço.”
Segundo as entrevistas das cofundadoras com moradores da região, as famílias da classe trabalhadora de Mountain View destinam aproximadamente 70% a 80% de sua renda ao pagamento do aluguel, muitas vezes vivendo em pequenos apartamentos compartilhados por várias famílias. Novos empreendimentos, mesmo aqueles promovidos como acessíveis, estão fora do alcance financeiro das famílias que já residem na área. Por isso, as líderes do MVCLT defendem a preservação e a aquisição de moradias acessíveis já existentes, em vez da construção de novas.
O MVCLT planeja adquirir um prédio com dez a 15 unidades e alugar os apartamentos por valores abaixo do mercado para famílias locais nos próximos dois anos. A estratégia de captação de recursos da organização se baseia no modelo do FSMV, que prioriza as vozes da comunidade e os testemunhos pessoais de quem vivencia diretamente o risco de deslocamento. Dessa forma, a bem-sucedida experiência de ajuda mútua do fundo consolidou sua credibilidade e demonstrou como soluções autogeridas contribuem para a criação de comunidades mais estáveis.
“Os aluguéis não vão baixar a preços que possamos pagar”, diz Melo. “A única saída é ter esse tipo de moradia controlada, para que possamos continuar fazendo parte desse tecido social e não sejamos expulsas.”