Os povos indígenas são melhores para cuidar das áreas naturais, ou a natureza precisa ser protegida deles? Esses dois estereótipos simplistas são repetidos com frequência, mas nenhum deles oferece uma perspectiva completa da realidade.
Um novo estudo analisa como o governo da República Democrática do Congo (RDC) e organizações não governamentais falam sobre o povo Batwa, com o objetivo de entender o papel dessa população na conservação do Parque Nacional Kahuzi-Biega, que abriga florestas e espécies ameaçadas, como o gorila-de-grauer.
A história recente do parque preparou o terreno para conflitos entre os Batwa, o governo local e outros grupos que vivem nas proximidades. Na década de 1970, autoridades expulsaram os Batwa do parque em nome da conservação, marginalizando-os para comunidades nos arredores da área protegida. Quando, em 2018, alguns Batwa retornaram para viver dentro do parque, o governo e ONGs de proteção ambiental apresentaram esse retorno como um desastre ecológico. Diziam que os Batwa não eram confiáveis para cuidar de áreas naturais sensíveis. Já organizações de defesa dos direitos indígenas adotaram a posição oposta, argumentando que apenas os Batwa poderiam proteger adequadamente suas terras ancestrais.
Os autores – Fergus O’Leary Simpson, pós-doutorando no Instituto de Política de Desenvolvimento da Universidade de Antuérpia; Kristof Titeca, professor na mesma universidade; Lorenzo Pellegrini, professor de economia do meio ambiente e desenvolvimento no Instituto Internacional de Estudos Sociais da Universidade Erasmus de Roterdã; Thomas Muller, pesquisador no Serviço Internacional de Informações sobre Paz na Bélgica; e Mwamibantu Muliri Dubois, assistente de pesquisa na Université Officielle de Bukavu na RDC – analisam ambas as perspectivas. Eles realizaram cerca de 250 entrevistas com membros do povo Batwa, autoridades governamentais e representantes de grupos locais.
Descobriram que a história dos Batwa é bem mais complexa do que os slogans usados em folhetos de ONGs para arrecadar fundos junto a doadores estrangeiros interessados em apoiar a conservação ecológica ou os direitos dos povos indígenas. “As narrativas idealizadas acabam desviando a atenção de uma economia política mais ampla de extração violenta de recursos, que é fundamental”, escrevem os autores.
Uma análise por satélite feita antes e depois de outubro de 2018 – quando alguns Batwa voltaram a viver no parque – mostrou que dois setores onde esses grupos se estabeleceram perderam grandes porcentagens de cobertura florestal. No entanto, isso não confirma a narrativa dos Batwa como destruidores da floresta. Os membros da comunidade vivem em situação de pobreza, e os dados, combinados com entrevistas, indicam que alguns chefes Batwa residentes no parque permitem o acesso de outros grupos ao comércio de carvão, transportando árvores locais para as duas maiores cidades da região, explica Simpson. Outros fatores em jogo incluem a falta de oportunidades econômicas tanto para os Batwa como para seus vizinhos, o fracasso do governo em conceder títulos de terra aos Batwa em uma área fora do parque onde poderiam se estabelecer, além de uma série de causas induzidas por seres humanos que forçam espécies ameaçadas a deixarem seus habitats dentro da área protegida.
“O que me chama atenção aqui é a diferença entre a história que as pessoas contam e a realidade concreta de um conflito complicado”, diz o pesquisador.
Por que a narrativa simplista persiste? Políticos e captadores de recursos de organizações sem fins lucrativos tendem a se apegar a visões unidimensionais de como grupos indígenas interagem com a natureza, porque é mais fácil para eleitores ou doadores entenderem. Mas isso não reflete a realidade completa, afirma Simpson.
Segundo ele, “em debates sobre conservação, há uma idealização dos povos indígenas como se vivessem uma vida muito simples, com baixo impacto ecológico. Mas também há a ideia de que eles querem as mesmas coisas que outras pessoas querem, porque também são seres humanos – hospitais, smartphones, escolas”.
O estudo traz “um tema importante e uma abordagem inovadora – um esforço para quebrar o impasse entre os ‘destruidores da floresta’ e os ‘guardiões da floresta’, que acaba sendo uma construção artificial político-acadêmica de narrativas, em vez de um reflexo do que está acontecendo na realidade”, diz Christopher Day, professor associado de ciência política na Faculdade de Charleston. Mostrar que os Batwa são apenas uma das peças no tabuleiro da economia política da região é uma contribuição importante para a área, conclui o professor.
Veja o estudo completo: “Indigenous Forest Destroyers or Guardians? The Indigenous Batwa and Their Ancestral Forests in Kahuzi-Biega National Park, DRC”, por Fergus O’Leary Simpson, Kristof Titeca, Lorenzo Pellegrini, Thomas Muller e Mwamibantu Muliri Dubois, World Development, v. 186, fev. 2025.