Os altos níveis de polarização política e desengajamento cívico nos Estados Unidos não são novidade, mas algumas organizações têm superado as divisões crescentes na sociedade estadunidense. Um novo estudo de Alexander Hertel-Fernandez, professor associado de ciência política na Universidade Columbia, mostra como um grande sindicato do setor público, a Associação de Educação do Estado de Iowa (ISEA, na sigla em inglês), tem conseguido recrutar e engajar novos membros em um ambiente cada vez mais partidário.
Durante uma viagem de pesquisa a Iowa para estudar redes interestaduais de legisladores e grupos de interesse conservadores e progressistas, Hertel-Fernandez reuniu-se com o maior sindicato de professores do estado. O encontro se transformou em uma parceria de longo prazo que forneceu uma fonte de novos dados e uma compreensão mais ampla de alguns dos desafios enfrentados pelas associações cívicas, sempre aclamadas como a espinha dorsal da democracia estadunidense. Hertel-Fernandez queria saber: como a associação de professores conseguia fazer apelos políticos bem-sucedidos a educadores conservadores e republicanos que tinham opiniões diferentes daquelas do sindicato em relação a causas, candidatos e temas políticos? E como o sindicato estava reunindo republicanos, democratas, conservadores e progressistas para participar de atividades e eventos políticos?
O pesquisador encontrou respostas nos dados gerados por cerca de 400 sindicatos locais associados à ISEA. “Um dos desafios ao estudar organizações da sociedade civil é a dificuldade de obter dados prontos, especialmente para responder a algumas das questões mais interessantes e importantes”, diz Hertel-Fernandez. “As organizações da sociedade civil costumam ser uma caixa-preta.”

A colaboração com o sindicato permitiu a Hertel-Fernandez olhar dentro da “caixa-preta”. Ao analisar questionários com educadores sindicalizados, dados internos sobre a participação política desses membros e entrevistas, ele descobriu como os líderes sindicais cultivavam normas que incentivavam todos os membros a se engajarem politicamente.
“Há dois aspectos importantes nessa liderança”, diz Hertel-Fernandez. “O primeiro é estabelecer uma impressão inicial forte e incorporá-la como parte da norma do que se espera de quem é membro. O segundo é ir além dos debates políticos nacionais e focar em como a política afeta uma escola local ou a comunidade.” Como a ISEA negocia e atua em nível local, consegue enquadrar questões e debates políticos em termos dos interesses da comunidade, observou Hertel-Fernandez – mesmo em meio a disputas acaloradas em nível nacional sobre temas como aborto e outras questões polarizadoras.
Em nível local, membros do sindicato podem se envolver em ações políticas, como conversar com colegas de trabalho, amigos, familiares e vizinhos, enquanto maneiras mais formais de participação incluem contribuir com o comitê de ação política do sindicato – uma ferramenta importante para que a organização exerça influência política por meio de apoio público e doações a candidatos que disputam eleições locais e estaduais em cada ciclo eleitoral.
Desde que Hertel-Fernandez iniciou sua pesquisa, mais sindicatos de trabalhadores e professores do setor público estão localizados em estados que possuem leis de “direito ao trabalho”. Essas leis proíbem sindicatos de exigir a sindicalização ou o pagamento de taxas de trabalhadores não sindicalizados para beneficiar-se dos acordos negociados com empregadores. Iowa, por exemplo, se inclinou para a direita nos últimos anos, aprovando leis que dificultam a organização sindical e a negociação coletiva. As estratégias adotadas pela ISEA para dialogar com republicanos e conservadores provavelmente serão úteis em outros contextos pouco favoráveis a sindicatos. Organizações cívicas com estrutura federada – ou que tenham presença local e estadual, além da nacional – frequentemente reúnem membros que não concordam com todas as posições assumidas pela organização.
“Esse estudo é um sopro de ar fresco em um momento em que a literatura da ciência política tem se concentrado na nacionalização e na polarização das identidades partidárias”, diz Leslie Finger, professora assistente de ciência política na Universidade do Norte do Texas. “Em vez de mostrar como republicanos e democratas se tornaram cada vez mais hostis entre si e social e geograficamente segregados, o estudo destaca maneiras pelas quais organizações associativas podem superar essas divisões e construir normas e culturas organizacionais que dialogam com diferentes espectros partidários.”
Veja o estudo completo: “Civic Organizations and the Political Participation of Cross-Pressured Americans: The Case of the Labor Movement”, por Alexander Hertel-Fernandez, American Political Science Review, publicado online, set. 2024.
*Artigo publicado originalmente na edição 12 da SSIR Brasil; leia aqui a edição completa